Berlim (Publicado
O diretor Oliver Stone bateu pesado no Brasil, na coletiva realizada após a exibição de seu novo filme, que participa, fora de concurso, do 53º Festival de Berlim. Para sua estréia como documentarista, o diretor de /JFK – a Pergunta que não Quer Calar e Assassinos por Natureza escolheu, como é do seu feitio, um tema polêmico. Comandante oferece um retrato humano de Fidel Castro.
Sabe que está metendo a mão num vespeiro. Para o público americano, Fidel é um monstro. O retrato que emerge de seu filme é o de um homem charmoso e encantador, que assume suas contradições com o mesmo ardor com que defende o ideal revolucionário que norteou sua vida. “Ele é o último grande revolucionário do mundo atual”, diz. “É um mito e, aos 75 anos, tornou-se um homem sábio, em cujas lições deveríamos prestar atenção.”
Onde vocês acham que existe democracia? No Brasil, onde boa parte da população é privada de água potável, saúde e educação? Cuba oferece tudo isso à sua população,mas, para vocês, não é uma democracia.”
Os ataques ao Brasil começaram quando jornalistas cobraram de Stone esse apoio a um ditador que veste farda e está há mais de 40 anos no poder.
”Querem falar de democracia? Pois falemos, então.
E insistiu na crítica:
“Como pode ser democrático um País em que a expectativa dos jovens nas favelas é a de se tornarem traficantes para fugir ao círculo vicioso da miséria?”
Eleições livres? “Isso não existe em lugar nenhum, nem nos Estados Unidos.
Não há eleições livres sem imprensa livre.
Ou querem ignorar a ligação da grande imprensa com o grande capital, em qualquer lugar do mundo?”, declarou. “E se a CIA injetar dinheiro num possível quadro de eleições em Cuba, como fez na Nicarágua, vocês ainda acharão as eleições democráticas?”
Iraque – Polemista, Stone não está aí para criticar os outros defendendo a democracia americana. Comentando a possibilidade de guerra entre os EUA e o Iraque disse que a questão é: a que ou a quem serve essa guerra? “Seria legítimo que os EUA fizessem guerra ao terrorismo, enfrentando a Al Qaeda. Mas uma guerra contra o Iraque? Não existem provas conclusivas de que o Iraque financie o terrorismo que nos ameaça. Sinceramente, não consigo ver com clareza os objetivos que estão por trás dessa cruzada de George W. Bush.”
Um jornalista quis saber se ele faria um retrato tão simpático de Saddam Hussein como o de Fidel. Stone disse que Comandante não é obra de propaganda e adoraria entrevistar Saddam, para descobrir suas idéias. Foi o que fez com Fidel. “Para os americanos, ele era uma caricatura. Você não precisa concordar com suas idéias para perceber que é um homem moral.”
Stone nega que o filme seja 100% favorável ao cubano. “Ele não aparece no filme como o nice guy que muitos de vocês viram. Admite os problemas de Cuba e os seus, como homem, como pai, por exemplo.”
O filme irá ao ar nos EUA no dia 12 de maio. Stone, que transformou 30 horas de entrevistas com Fidel num documentário de 92 minutos, quer disponibilizar o material na internet. “O importante é discutir as idéias desse homem. Queiram ou não, Castro é um dos personagens fundamentais do século 20.”
(Texto de Luiz Carlos Merten, enviado especial de O Estado de São Paulo, em 14/02/2003)