(David Usborne)

Não demorou muito para que os americanos compreendessem que a triunfal visita do presidente George W. Bush a um porta-aviões após a queda de Saddam Hussein foi de certa forma prematura. Raramente passa um dia sem que outro soldado americano caia vítima das balas de atiradores desconhecidos no Iraque ocupado. Mas poucos têm prestado atenção a uma outra conseqüência da campanha militar. Podemos chamá-la de “danos colaterais corporativos”. E as vítimas são as marcas norte-americanas.

É verdade que boicotes às marcas americanas já estavam pipocando em todo o mundo antes mesmo do começo da guerra. Coca-Cola, McDonald s e Budweiser estavam entre as empresas mais visadas.

Houve até mesmo ataques de pequena escala, como um atentado a bomba contra um McDonald s em Istambul em 15 de abril. Mas a maior parte dessas ações teve ou impacto local limitado ou já começara a definhar.

Tio Sam perde apelo

A preocupação muito maior nos conselhos das empresas, de Nova York a Atlanta e Chicago, é a seguinte: será que a impopularidade dos Estados Unidos de George Bush no exterior -quer por causa da Guerra do Iraque ou devido à inação do país no que tange ao aquecimento global- terá impacto sobre o apelo fundamental das marcas americanas nos mercados mundiais? E se tiver, em que intensidade?

Por décadas, desde a Segunda Guerra Mundial, os produtos feitos nos EUA vendem, em parte, devido àquilo que o país sempre representou acima de tudo: prosperidade e liberdade.

Um par de tênis Nike muitas vezes simbolizava a riqueza em dólares para um morador de cortiço asiático. Um par de jeans Levi s 501 comprado no mercado negro era um símbolo de protesto na Europa Oriental antes da queda do Muro de Berlim (1989).

“As pessoas da China e de Taiwan, e até mesmo da Europa, vão ao McDonald s não porque adorem a comida, mas porque desejam ter uma experiência norte-americana”, ressalta Shih-Fen Chen, professor de marketing internacional da Universidade Brandeis, em Massachusetts. E se os produtos americanos começarem a representar outra coisa? Por exemplo: imperialismo grosseiro e intolerância quanto aos problemas do resto do mundo? Seria hora de sugerir aos fabricantes de Marlboro que moderem sua herança ianque ao vender seus cigarros no exterior? Será que isso representaria o fim dos anúncios com paisagens infinitas e figuras de mandíbulas fortes usando chapéus de caubói?

De acordo com um relatório que acaba de ser concluído pela RoperASW, uma consultoria de Nova York, o valor das marcas americanas favoritas no exterior começa a mostrar sinais inegáveis de queda. Ao menos neste momento, vender um produto indissociavelmente ligado ao Tio Sam e à bandeira estrelada pode ser mais um problema que uma oportunidade.

O relatório, ao qual a revista “Newsweek” teve acesso, se baseia em entrevistas de uma hora de duração com 30 mil consumidores em 30 economias importantes de todo o mundo.

As respostas foram processadas de forma a avaliar indicadores de “poder de marca” para as mais conhecidas multinacionais, tanto americanas quanto estrangeiras.

Das dez maiores empresas de alcance mundial sediadas nos EUA, apenas uma viu seu poder de marca aumentar em comparação com o ano anterior.

Todas as demais ficaram na mesma ou perderam terreno.

Este é o quinto ano em que a mesma pesquisa é realizada. E pela primeira vez, em 2003, as empresas americanas começam a ver uma contração de seu poder de marca. Em contraste, o levantamento mostra ganhos para as marcas mais conhecidas de outros países.

Voto com a carteira

“É um primeiro alerta”, comenta Tom Miller, diretor-executivo da RoperASW. “Estamos vendo uma mudança no equilíbrio do poder de marca”.

Para Noreena Hertz, cujo livro “The Silent Takeover” [“A Conquista Silenciosa”] se tornou uma referência essencial para muitos dos participantes no debate antiglobalização, os sentimentos negativos dos consumidores mostram o surgimento de uma nova geração consciente política e economicamente em todo o mundo, que compreende que votar com a carteira pode fazer diferença.

Diretora do Centro Internacional de Negócios e Gestão da Universidade de Cambridge (Reino Unido), Hertz acredita que a Guerra do Iraque tenha servido apenas para cristalizar tendências já existentes no comportamento dos consumidores.

“Isso é apenas uma extensão do fenômeno que já vimos de pessoas votando com suas carteiras em relação a diversas questões políticas”, afirma.

“As pesquisas mostravam, no ano passado, que 27% dos britânicos haviam deixado de comprar um produto por motivos éticos, e 29% deles não adquiriram determinados produtos por razões ambientais”, diz.

Para Hertz, “as empresas precisarão cada vez mais assumir posições políticas, além das sociais e ambientais, a fim de garantir que os consumidores continuem a apoiá-las”.

As duas empresas norte-americanas cujas posições se mantiveram inalteradas são a Coca-Cola e a American Express. Ambas estão tão ligadas quanto possível aos EUA. Mas têm trabalhado com afinco para escapar à crescente maré de antiamericanismo.

A Coca-Cola se viu forçada a combater boicotes e protestos em países tão díspares como a Alemanha e o Paquistão. E continua a ter de enfrentar pequenas ameaças como a Mecca-Cola, a mais recente versão árabe do refrigerante, criada por um empresário tunisiano radicado na França com o objetivo de se aproveitar do sentimento contrário aos EUA nas comunidades muçulmanas da Europa e do Oriente Médio.

Símbolos ameaçados

Mas a megaempresa tem uma resposta preparada para aqueles que desejariam vê-la cair. Suas operações no exterior são dirigidas, em quase todos os países, por franquias locais. “São empresas locais, dirigidas por empresários locais”, diz John Chandler, porta-voz da Coca-Cola.

“Nossa opinião sobre os boicotes é a de que eles acabam prejudicando mais as pessoas que supostamente deveriam apoiar. Quando alguém busca atingir uma grande marca em determinada região, tem mais chance de acabar prejudicando a comunidade e os funcionários locais do que a empresa propriamente dita”, diz.

Não são apenas as empresas de alimentos e roupas que devem se preocupar. Até mesmo a Microsoft está sujeita à mudança de ânimos. Seu índice de poder de marca caiu 18% no mundo em apenas um ano. Só a McDonald s se saiu pior, com queda de 21%. A Nike, a MTV, a Disney e o Discovery Channel também saíram prejudicadas. As marcas estrangeiras que ganharam apelo incluem a BMW, a Philips, a Sony e a Volkswagen.

Outros elementos na pesquisa da RoperASW reforçaram os motivos de preocupação nos EUA. Por exemplo, em termos de confiança na marca, três gigantes americanos, a Yahoo!, a MTV e o Citibank, caíram para o pé do ranking.

Na Alemanha, onde os protestos contra a guerra no Iraque foram especialmente intensos, os consumidores parecem estar dando as costas a produtos americanos. Dos entrevistados, 29% disseram usar produtos Nike regularmente. No ano anterior, eram 49%. O percentual de alemães que disse comer regularmente no McDonald s caiu de 43% para 34%.

É claro que a pesquisa está sendo contestada. A Nike, por exemplo, já contra-atacou. Disse que sua receita na Europa cresceu 24% nos três meses encerrados em 31 de maio.

Já o McDonald s afirma que há outros fatores prejudicando os negócios no exterior, como a crise de Sars (síndrome respiratória aguda grave) na Ásia e a desaceleração econômica em diversas partes do mundo.

Mas os gurus de marketing estão levando a sério esses sinais. A agência de publicidade McCann-Erickson recentemente enviou um memorando aos seus clientes nos EUA aconselhando-os a repensar suas estratégias de marketing e, acima de tudo, a evitar embrulhar suas marcas na bandeira americana, enfatizando, em contrapartida, as raízes locais dos mercados visados.

Novo estilo de vida

Outros especialistas também estão lançando alertas. O professor John Quelch, reitor da Escola de Administração de Empresas de Harvard, expressou suas preocupações em recente entrevista à revista “Working Knowledge”. “Jamais, no passado, as preocupações quanto à política externa americana ameaçaram alterar o comportamento dos consumidores”, disse.

“Não estamos falando aqui de posturas frívolas associadas a boicotes temporários de uma minoria de estudantes. O que estamos presenciando é o surgimento de um estilo de vida para os consumidores que tem grande apelo internacional e se baseia na rejeição do capitalismo americano, da política externa dos EUA e, consequentemente, das marcas americanas”, afirmou.

E não são apenas as empresas americanas que deveriam se preocupar. O mesmo destino pode aguardar as multinacionais do Reino Unido, o único outro país do mundo que se associou estreitamente aos EUA e sua atual política externa.

“No passado, as empresas não se envergonhavam de usar e abusar das marcas americanas”, comenta Eric Schwalm, da Bain & Company, consultoria mundial de negócios sediada em Nova York. Mas, no atual momento, “construir sua base comercial com uma marca britânica ou americana talvez já não seja a melhor idéia”.

O governo Bush se vê como pró-empresas. Mas talvez tenha gerado, sem querer, uma atmosfera desfavorável em todo o mundo para os ícones do capitalismo americano.

Esses ícones, da Coca-Cola à Levi s, só têm duas escolhas, aparentemente: desconsiderar suas origens ou esperar que o presidente, ou suas políticas, mudem.