Por Cláudio Gonzalez, no “Diário Vermelho”, março de 2006

Clara ZetkinJornais universitários de diversas instituições de ensino superior no Brasil e na América Latina e órgãos da imprensa alternativa têm dado cada vez mais espaço para a divulgação de estudos e artigos que questionam a conhecida história do 8 de março. Segundo a versão mais difundida sobre a origem do Dia Internacional da Mulher, esta data seria uma homenagem às operárias mortas num incêndio que teria ocorrido numa fábrica têxtil de Nova York, em 1857.

Mas para pesquisadores como Vito Giannotti, Naumi Vasconcelos, Dolores Farias e Eva Blay, a “verdadeira” história do 8 de março é outra e a alegada tragédia de 1857, quando 129 operárias teriam sido queimadas vivas, não passa de uma ficção.

Gianotti resgata origens socialistas da data

Caderno O Dia da Mulher nasceu das Mulheres Socialistas, do NPCNo início deste ano, o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) fez nova edição do caderno O Dia da Mulher nasceu das Mulheres Socialistas, lançado, em primeira edição, em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, em 2004. Com texto de Vito Giannotti e ilustrações de Latuff, esta cartilha, atualizada e revista, mostra a origem histórica deste dia, no começo do século 20: a luta de milhões de mulheres socialistas com a contribuição de outras mulheres que limitavam suas lutas à conquista do direito de voto. O dia 8 de Março foi consagrado por uma greve de operárias russas em 1917 que, sem querer, foi o estopim da grande Revolução Russa. Logo em seguida, em 1919, a 3ª Internacional declarou este dia como o dia mundial da luta das mulheres.

Segundo Giannotti, esta origem do dia não agradava a muitos… social-democratas, burgueses e anticomunistas em geral. Precisava criar outra história. E foi criada. O texto, se apoiando em muitas fontes bibliográficas, desmistifica a história que todos nós já ouvimos, ou até escrevemos.

A publicação do NPC registra que em 1996, o Jornal do Brasil trazia um artigo da professora da UFRJ, Naumi Vasconcelos, no qual ela dizia que a tal greve de Nova Iorque, em 1857, nunca existiu. No mesmo ano, em março, Conselho de Classe jornal do SEPE, Sindicato dos Profissionais de Educação da rede pública do Estado do Rio de Janeiro, trazia um artigo da mesma professora Naumi, com o título sugestivo de: Quem tem medo do 8 de Março? Este mesmo texto da Naumi já tinha sido publicado no mensário Em Tempo, pouco antes.

Neste artigo, a autora citava, como fonte fundamental para a discussão, um livro de uma pesquisadora canadense intitulado: O Dia Internacional da Mulher – Os verdadeiros fatos e datas das misteriosas origens do 8 de março, até hoje confusas, maquiadas e esquecidas. Este livro, da autora canadense Renée Côté, saiu em 1984, mas estranhamente ficou esquecido por várias razões. “O livro da Renée é totalmente antiacadêmico, anticonvencional. Mas, mais do que a forma, o que fez o livro cair em esquecimento é o que ela afirma, que incomoda muita gente. Ela prova por a+b, ao longo de 240 páginas, que as certezas criadas nos anos de 1960, 70 e 80 pelos movimentos feministas, a respeito do surgimento do 8 de Março, são pura ficção”, diz Giannotti.

Há vários estudos, cada um acompanhado de uma vasta bibliografia, que vão no mesmo sentido das pesquisas da Renée Côté. Entre eles destacam-se os artigos “8 de Março: Conquistas e Controvérsias” de Eva A. Blay, de 1999. Outro estudo é de Liliane Kandel, de 1982, “O Mito das Origens: sobre o Dia Internacional da Mulher”. Outro texto muito rico é da Sempreviva Organização Feminista (SOF), de 2000, “8 de Março, Dia Internacional da Mulher: em busca da memória perdida”.

Iniciativa de Clara Zetkin

O documento divulgado pela SOF afirma que a referência histórica principal das origens do Dia Internacional da Mulher é a 2ª Conferência Internacional das Mulheres Socialistas em 1910, em Copenhague, na Dinamarca, quando Clara Zetkin propôs uma resolução de instaurar oficialmente um dia internacional das mulheres. “Nessa resolução, não se faz nenhuma alusão ao dia 8 de março. Clara apenas menciona seguir o exemplo das socialistas americanas. É certo que a partir daí, as comemorações começaram a ter um caráter internacional, expandindo-se pela Europa, a partir da organização e iniciativa das mulheres socialistas”.

As fontes encontradas revelam o seguinte: Em 3 de maio de 1908 em Chicago, se comemorou o primeiro “Woman”s day, presidido por Lorine S. Brown, documentado pelo jornal mensal The Socialist Woman, no Garrick Theather, com a participação de 1500 mulheres que “aplaudiram as reivindicações por igualdade econômica e política das mulheres; no dia consagrado à causa das trabalhadoras”. Enfim, foi dedicado à causa das operárias, denunciando a exploração e a opressão das mulheres, mas defendendo, com destaque, o voto feminino. Defendeu-se a igualdade dos sexos, a autonomia das mulheres, portanto, o voto das mulheres, dentro e fora do partido.

Já em 1909, o Woman”s day foi atividade oficial do partido socialista e organizado pelo comitê nacional de mulheres, comemorado em 28 de fevereiro de 1909, a publicidade da época convocava o “woman suffrage meeting”, ou seja, em defe
sa do voto das mulheres, em Nova York.

Coté apura que as socialistas americanas sugerem um dia de comemorações no último domingo de fevereiro, portanto, o woman”s day teve, no início, várias datas mas foi ganhando a adesão das mulheres trabalhadoras, inclusive grevistas e teve participação crescente.

Os jornais noticiaram , o woman”s day em Nova York, em 27 de fevereiro de 1910, no Carnegie Hall, com 3000 mulheres, onde se reuniram as principais associações em favor do sufrágio, convocado pelas socialistas mas com participação de mulheres não socialistas.

Consta que houve uma greve longa dos operários têxteis de Nova York (shirtwaist makers) que durou de novembro de 1909 a fevereiro de 1910, 80% dos grevistas eram mulheres e que terminou 12 dias antes do woman”s day. Essa foi a primeira greve de mulheres de grande amplitude denunciando as condições de vida e trabalho e demonstrou a coragem das mulheres costureiras, recebendo apoio massivo. Muitas dessas operárias participaram do woman”s day e engrossaram a luta pelo direito ao voto das mulheres ( conquistado em 1920 em todo os EUA).

Clara Zetkin, socialista alemã, propõe que o woman”s day ou women”s day se torne “uma jornada especial, uma comemoração anual de mulheres, seguindo o exemplo das companheiras americanas”. Sugere ainda, num artigo do jornal alemão Diegleichheit, de 28/08/1910, que o tema principal seja a conquista do sufrágio feminino.

Em 1911, o dia internacional das mulheres, foi comemorado pelas alemãs, em 19 de março e pelas suecas, junto com o primeiro de maio etc. Enfim, foi celebrado em diferentes datas.

Alexandra Kolontai , dirigente feminista da revolução socialista escreveu sobre o fato e sobre o 8 de março, mas, curiosamente, desaparece da história do evento. Diz ela: ” O dia das operárias em 8 de março de 1917 foi uma data memorável na história. A revolução de fevereiro acabara de começar”. O fato também é mencionado por Trotski, na História da Revolução Russa. Nessas narrativas fica claro, que as mulheres desencadearam a greve geral, saindo corajosamente, às ruas de Petrogrado, no dia internacional das mulheres, contra a fome, a guerra e o czarismo.

Renée Coté encontra, por fim, documentos de 1921 da Conferência Internacional das Mulheres Comunistas onde ” uma camarada búlgara propõe o 8 de março como data oficial do dia internacional da mulher, lembrando a iniciativa das mulheres russas”.

A partir de 1922, o Dia Internacional da Mulher é celebrado oficialmente no dia 8 de março.

Algumas feministas européias na década de 70, por não encontrarem referência concreta às operárias têxteis mortas em um incêndio em 1857, em Nova York, chegaram a considera-lo um fato mítico. Mas essa hipótese foi descartada diante de tantos fatos e eventos vinculando as origens do dia internacional da mulher às mulheres americanas de esquerda.

O incêndio de 1911

De acordo com Eva Blay, o incêndio relacionado ao Dia Internacional da Mulher é o que ocorreu no dia 25 de março de 1911, nos EUA, na Triangle Shirtwaist Company (Companhia de Blusas Triângulo), uma fábrica têxtil que ocupava o oitavo, o nono e o décimo andar de um prédio. A Triangle empregava 600 trabalhadores, a maioria mulheres imigrantes judias e italianas, com idade entre 13 e 23 anos. Fugindo do fogo, parte dos trabalhadores conseguiu alcançar as escadas descendo para a rua ou subindo no telhado. Outros desceram pelo elevador. Mas a fumaça e o fogo se expandiram, e muitos trabalhadores pularam das janelas para a morte. Algumas mulheres morreram nas próprias máquinas. Houve 146 vítimas fatais, sendo 125 mulheres e 21 homens. No funeral coletivo ocorrido dia 05 de abril compareceram cerca de 100 mil pessoas.

No local do incêndio está construída uma parte da Universidade de Nova York, onde consta a inscrição: “Neste lugar, em 25 de março de 1911, 146 trabalhadores perderam suas vidas no incêndio da Companhia de Blusas Triangle. Deste martírio resultaram novos conceitos de responsabilidade social e legislação do trabalho que ajudaram a tornar as condições de trabalho as melhores do mundo.”

Segundo Eva Blay, é muito provável que o sacrifício das trabalhadoras da Triangle tenha se incorporado ao imaginário coletivo da comemoração do Dia Internacional da Mulher pela luta por elas travada. Mas o processo de instituição de uma data comemorativa já vinha sendo elaborado pelas socialistas americanas e européias há alguns tempo, e foi confirmado com a proposta de Clara Zetkin em 1910.

Para Vito Giannotti, derrubar o mito de origem da data 8 de Março não implica desvalorizar o significado histórico que este adquiriu. “Muito ao contrário. Significa retomar a verdade dos fatos que são suficientemente ricos de significado e que carregam toda a luta da mulher no caminho da sua libertação. Significa enriquecer a comemoração desse dia com a retomada de seu sentido original”, diz.


Texto de Cláudio Gonzalez, publicado originalmente no Diário Vermelho, em 8/3/2006.