De como um grupo minguado e oportunista atropela um debate que se trava no Congresso há 22 anos e poderia impulsionar a diversidade e a produção regional.
Por Laurindo Leal Filho, publicado originalmente na edição de outubro da Revista do Brasil
Parece que alguns parlamentares já esqueceram as “vozes das ruas” gritadas em junho. Com desfaçatez, seis senadores e seis deputados decidiram regular por conta própria o dispositivo constitucional que determina a regionalização da programação de rádio e TV no país.
Atropelaram, em poucas horas, um debate que se trava no Congresso há exatos 22 anos. A concentração histórica das programações no eixo Rio-São Paulo faz com que o Brasil não conheça o Brasil. Por isso, os constituintes em 1988 escreveram na Constituição que “a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão ao princípio da regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”. Só que essa lei nunca saiu.
Iniciativas para elaborá-la não faltaram. O projeto mais antigo é de 1991, da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Levou doze anos para ser aprovado na Câmara dos Deputados e está há dez parado no Senado. Por ele, as TVs ficariam obrigadas a veicular, entre as cinco da tarde e a meia-noite, programas produzidos regionalmente. Seriam no mínimo 10 horas e no máximo 22 horas por semana de programas regionais, dependendo do número de domicílios com TV existente na área coberta pela emissora. Esse tempo deveria aumentar, em cinco anos, para o mínimo de 22 e o máximo de 32 horas.
A ampliação do mercado de trabalho para produtores independentes é um dos pontos centrais do projeto. Hoje quase toda a produção televisiva é realizada pelas próprias redes nacionais, concentrando-se no eixo Rio-São Paulo. Se a lei fosse aprovada, 40% dos programas regionais exibidos deveriam ser realizados por produtoras independentes contemplando obras de ficção, documentários e teledramaturgia, dando oportunidade de trabalho a novas gerações de realizadores espalhados por todo país. O resultado, para o público, seria – além de conhecer melhor a sua própria região – desfrutar de experimentos narrativos capazes de romper com mesmice crônica da televisão brasileira.
A aprovação na Câmara deu-se depois de longas e árduas negociações da autora do projeto com as emissoras e com os deputados que as representam. Remetido ao Senado empacou outra vez e a explicação para isso é simples: 25% dos senadores detém concessões de TV.
Pois foi justamente um deles, Romero Jucá (PMDB-RR) que tornou-se relator da Comissão dos 12 parlamentares surdos às vozes das ruas. Com caráter terminativo, ou seja a decisão por eles tomada vai direto ao plenário, derrubaram em poucas horas os propósitos dos constituintes de 1988 que estavam, sem dúvida, contemplados no projeto original.
A regulação estabelecida pela comissão chega a ser um escárnio. Considera os horários obrigatórios de propaganda política e as redes nacionais para o pronunciamento de autoridades como “produção regional”. Assim como programas religiosos e jogos de futebol. Como não estabelece classificação de horários, as cotas regionais podem ser perfeitamente cumpridas durante a madrugada. Além não fazer nenhuma menção à produção independente.
Mas os absurdos não param por ai. Aproveitaram a oportunidade para enfiar no relatório uma cláusula que dá as emissoras o direito de acesso a 5% dos recursos do Fundo Nacional de Cultura que tem, neste ano, um orçamento de R$ 260,2 milhões. A justificativa é de “incentivar” a regionalização.
Fica difícil entender a necessidade desse incentivo para uma programação regional baseada em programas religiosos (pagos pelas igrejas) e de mensagens políticas (dedutíveis do imposto de renda), como prevê o relatório do Senador Jucá.
Triste solução para um problema grave. É inconcebível que um país com as dimensões e a diversidade cultural do Brasil mostre, por exemplo, todos os dias pela TV, os congestionamentos nas marginais paulistanas. O que isso interessa ao telespectador do Acre ou do Rio Grande do Sul? Escondendo, ao mesmo tempo, acontecimentos locais importantes. Infelizmente para mudar esse quadro a solução encontrada pelos parlamentares reduziu-se a um oportunismo mesquinho.