Por Claudia Santiago

O Fórum Social Mundial Grande Porto Alegre reuniu, segundo seus organizadores, 35 mil pessoas. Ativistas sociais de diversos movimentos, partidos e ONGs se revezaram em oficinas e no seminário que discutiu os dez anos do FSM. Os debates no seminário refletiram preocupações que estão colocadas, pelo menos desde o FSM de 2003, quando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, foi ovacionado por sindicalistas e militantes do MST. Na ocasião, a participação de governantes não era bem vinda pelo comitê organizador. Afinal, a Carta de Princípios do Fórum determina a completa autonomia dos movimentos em relação aos governos, sejam de esquerda ou de direita. Mas Chávez foi e agradou. Em 2005, voltou e levou o estádio do Gigantinho ao delírio. Revelou-se que os participantes queriam debater projetos de poder.

Duas posições muito claras estiveram em debate nesta décima edição do FSM. Debate que não começou agora e que esteve presente de forma aguda em Belém, no ano passado. Não diria que de um lado estão uns e do outro, outros. Esta fórmula bipolar de tratar o assunto foge da pluralidade que propõe o FSM desde sua invenção há dez anos, embalado pelas manifestações dos estadunidenses em Seattle que suspenderam a abertura da chamada Rodada do Milênio de negociações da OMC. Mas podemos dizer que o debate sobre o futuro do Fórum está aberto e que há visões distintas. Uma defende a incidência política do Fórum; outra, a manutenção do atual formato, no qual é privilegiada a troca de experiências e debate entre os diferentes grupos, mas sem transformá-lo em instrumento de ação. A conjuntura mudou nos último dez anos. Hoje, ao lado dos movimentos sociais e em diálogo com eles, existem governos progressistas na América Latina.

O sociólogo Emir Sader, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), entende que o Fórum Social Mundial ficará enfraquecido se se recusar à disputa política. Para ele, a Bolívia é um exemplo maravilhoso, porque lá os movimentos sociais fundaram um partido e estão refundando o Estado. Emir considera que a acumulação de forças tem que desembocar em alternativas, já que, segundo ele, a resistência eterna é um caminho para a derrota. “A história está mais aberta do que nunca.  Não podemos nos limitar a debater questões sociais. Quem quiser discutir superação do capitalismo sem discutir o Estado que queremos estará girando em falso. O momento é de se passar da resistência para a construção de alternativas”, afirmou para uma platéia super atenta no dia 26 de janeiro, no armazém 7 do Cais do Porto. 

No mesmo debate estava Gustave Massiah, do Centro de Pesquisa e Informação para o Desenvolvimento, da França. Para Gustave, o Fórum ganhou uma grande batalha, no âmbito das idéias. “A primeira vitória do FSM foi a de recusa ao neoliberalismo”. Ou seja, a recusa da idéia segundo a qual o mercado é o melhor caminho e que este deve ser ilimitado. “O Fórum Social Mundial questionou as desigualdades sociais dizendo que elas não são normais e nem genéticas. Trouxe a recusa das ditaduras”, afirmou.

Uma quinta internacional?

Em entrevista a Igor Ojeda, do jornal Brasil de Fato, o cientista político Éric Toussaint, presidente do Comitê para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo (CADTM) da Bélgica, defende a proposta de que o FSM se torne um espaço de incidência política. Ele defende um diálogo entre movimentos e partidos sobre o chamado do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, para a criação de uma Quinta Internacional. Eric defende um instrumento internacional com calendário e estratégias comuns. 

Francisco Whitaker, membro do Conselho Internacional do Fórum e do Grupo de Reflexão e Apoio ao Processo Fórum Social Mundial (GRAP), tem uma visão diferente. Para ele, conforme expressado em sua fala no seminário sobre os dez anos do FSM, “o Fórum reforçou que é preciso haver outra cultura política, que supere a luta pelo poder”. Exatamente o contrário do que propõem, por exemplo, Emir Sader e Eric Toussaint, segundo os quais o FSM deve se transformar em instrumento de luta pelo poder político.

Boaventura de Sousa Santos, aplaudido de pé, diz que o Fórum deve ter posições sólidas sobre os temas que estão em debate e apresentá-las publicamente. Propõe o seguinte: “O FSM tem que mudar de insígnia: De Um outro mundo é possível, para Um outro mundo é necessário e urgente. O FSM precisa reconstruir-se, se quiser avançar.” Para ele, o FSM deve continuar a ser espaço aberto, praça pública; mas também, espaço dos passos. Levar pelo mundo ações que levem ações sob o guardachuva do FSM. O Fórum Social Mundial em movimento. “Cada movimento isolado e por si só não dá. O FSM não tem que ter uma só posição, pode ser duas, mas têm de ser ambas sólidas”, diz.