Publicada pelo Jornal Democracia Socialista/Em Tempo
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No Brasil, no 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, três mil mulheres caminharam de Campinas a São Paulo, dando visibilidade a uma plataforma política que incluiu temas como a questão do livre mercado e sua articulação com o patriarcado; autonomia econômica das mulheres; direito à autodeterminação; fim da violência sexista; contra a privatização de bens comuns e serviços públicos; paz e desmilitarização.
Em entrevista, Nalu Faria, integrante da coordenação da Marcha Mundial das Mulheres no Brasil, contou como foram os dez dias de marcha, os meses de preparação que a antecederam, e falou das perspectivas do movimento. “Queremos conquistas concretas nos países”, afirmou, deixando claro que a marcha não pretende ser apenas simbólica. Veja abaixo:
O que é a terceira ação internacional da Marcha Mundial das Mulheres?
Nalu – A Marcha realiza ações internacionais a cada cinco anos, que envolvem todos os países com uma plataforma comum. Tanto em 2005 como em 2010, a prioridade foi que a ação ocorresse nos países, ou seja, não se concentrassem em único local.
Em 2010, serão ações simultâneas, com 10 dias de mobilização sob o lema “Seguiremos em marcha até que todas sejamos livres”. As marchas se concentram em dois períodos: 8 a 18 de março, quando a ênfase esteve na celebração de 100 anos da proposição do Dia Internacional de Luta das Mulheres; e 7 a 17 de outubro, com ênfase na luta contra a militarização. A ação termina com um ato na República Democrática do Congo.
Entre o primeiro e o segundo períodos, há atividades por região. Nas Américas, haverá uma ação na Colômbia em agosto, realizada em conjunto com o Movimento de Mulheres contra a Guerra e pela Paz e outras redes continentais e movimentos sociais colombianos.
No Brasil, nossa marcha foi de Campinas a São Paulo, e contou com a participação de 3 mil mulheres do país inteiro. Durante a marcha foram realizados 3 atos públicos com uma mobilização ainda maior.
Qual o balanço desses 10 anos de Marcha no Brasil e no mundo?
Nalu – Nesses 10 anos, desde a primeira ação internacional em 2000, a MMM se consolidou como movimento internacional e está organizada em 65 países e territórios.
No Brasil, com a ação de 2010, a MMM avançou mais. Em primeiro lugar, mostrou que estamos construindo um movimento onde cabemos todas sem nos fragmentar. Isso esteve expresso na diversidade na ação: camponesas, urbanas, jovens e idosas, lésbicas, negras, indígenas, tantas outras. Em segundo lugar, busca se construir a partir de uma visão crítica global ao atual sistema de exploração, opressão e dominação, que é patriarcal, machista, capitalista, racista, lesbofóbico e depredador da natureza.
Como foi a preparação de uma ação tão ousada?
Nalu – Reunir 3 mil mulheres para marchar 10 dias foi resultado de um intenso trabalho de organização. O processo preparatório envolveu várias atividades de formação e de arrecadação financeira, por exemplo. Foram centenas de reuniões, seminários estaduais, um extenso trabalho de articulação de apoios e de infra-estrutura. Mas, sobretudo, para garantir a mobilização das mulheres. Para muitas, a ação representou 16 a 17 dias, em função da viagem de estados distantes até Campinas.
Essa preparação se intensificou desde maio de 2009, após o seminário nacional em que se definiu o trajeto. Lá começamos a organizar comissões, debatemos a plataforma e concluímos um plano de mobilização para os estados.
Estruturalmente, no dia-a-dia, como foi possível garantir a marcha?
Nalu – A ação no Brasil começou em Campinas, dia 8 de março, e caminhada até Valinhos no dia 9 pela manhã, e assim sucessivamente por 10 cidades. A estrutura era composta por alojamento em ginásios e tendas. Para a alimentação, havia uma equipe formada por militantes da Marcha e cozinha fixa. A comida era armazenada em marmitas retornáveis e transportada todos os dias até o local de alojamento.
Foi um acampamento itinerante. Houve todo um trabalho de articulação de espaços, de transporte das bagagens. Para garantir o funcionamento da marcha, foram organizadas várias comissões (saúde, distribuição de água, limpeza, segurança, distribuição da alimentação, comunicação e formação). Quase 300 mulheres se envolveram diretamente na divisão de tarefas, sendo que dessas, 80 estiveram na cozinha.
O horário de acordar era às 4h e às 6, e após um trabalho de alongamento, já estávamos em marcha, que durava entre 4 e 5 horas por dia. À tarde, a partir de 16h, começavam as atividades de formação e culturais. Cada dia um ou mais estados puxava a marcha. Esse rodízio permitiu a expressão de uma enorme diversidade criativa: nas músicas, nas palavras de ordem. Ao mesmo tempo, muita unidade.
Ao final da marcha, havia um sentimento generalizado de que houve capacidade coletiva de superar problemas e tensões. Para todas, a ação significou crescimento político.
O que mudou ao longo percurso, em relação ao planejamento original?
Nalu – No início, pensávamos que tardariam três dias para tudo funcionar c
omo o planejado. Algumas coisas realmente foram assim. Basta olhar as fotos dos primeiros dias, em que a fila era bem irregular, mas depois foi virando uma fila mesmo. O ritmo também. Mas o interessante é que, a cada dia, foi crescendo a responsabilização coletiva para que tudo funcionasse. Assim que aparecia um buraco na fila, começava o coro: “olha o buraco”.
No entanto, cada dia era uma surpresa. O que mudou foi a postura e a paciência das marchantes, fruto da construção de confiança mútua e de um crescente engajamento com a ação, que, para dar certo, dependia de todas.
A caminhada foi recheada de atos políticos, conte-nos um pouco deles.
Nalu – Tudo começou com o lançamento da ação em Campinas. Ali já pudemos ver a energia e a vontade de que essa ação realmente contribuísse para que todas sejamos livres. As falas, as palavras de ordem, a batucada, a marcha até o ginásio mostraram um movimento com uma visão crítica radical e que busca transformações integrais para uma sociedade sem opressão, sem exploração e se discriminação.
No dia 13, em Várzea Paulista, o segundo ato foi para celebrar os 100 anos de proposição do dia 8 de março como dia internacional de luta das mulheres. Buscamos recuperar o processo histórico e o papel das socialistas. Como parte desse esforço, lançamos um livro sobre as origens do 8 de março, de autoria de Ana Isabel Álvarez González [veja artigo na página 2], fruto de um trabalho de tradução coletivo e militante de várias companheiras.
Também dedicamos um momento para manifestar nossa solidariedade com as mulheres do Haiti. Organizamos uma coleta entre as participantes para contribuir com a reconstrução das organizações de mulheres naquele país.
No dia 18, quando chegamos a São Paulo, as paulistanas nos esperavam com um abraço que nos envolveu com imenso tecido lilás. Nas falas, na batucada e nas palavras de ordem, pudemos perceber o entusiasmo e a convicção de seguir marchando até que todas sejamos livres, como diz a chamada da terceira ação internacional em todo o mundo.
Qual foi a importância das atividades de formação?
Nalu – É importante ter momentos de reflexão que complementem o restante das atividades. Preparamos um programa que se iniciou com debate em grupos sobre trabalho doméstico. No segundo dia, várias mesas temáticas traziam os eixos da ação.
No dia 16, contamos com a presença da cubana Aleida Guevara. Foi um momento forte de afirmação da nossa posição a favor de uma sociedade socialista em que possamos construir efetivamente igualdade e liberdade.
Apesar do cansaço das várias horas de marcha, a presença nas atividades de formação foi excelente. Sempre havia um amplo debate com as mulheres das diferentes regiões do país.
A ação no Brasil foi bastante vitoriosa, e certamente o será em âmbito internacional. Qual principal saldo que fica e quais as perspectivas a partir de agora?
Nalu – Todas voltamos para nossos estados com muita vontade de fortalecer a organização da Marcha. As primeiras avaliações são de muito ânimo e vontade de seguir. Essa ação impactou fortemente as mulheres participantes e muitas outras que ajudaram na organização nos estados, mas não puderam vir.
Seguiremos trabalhando a plataforma, pois queremos conquistas concretas nos países. Por isso, seguiremos mobilizadas até o final da ação, em 17 de outubro, e esperamos que nossas reivindicações sejam assumidas pelo Estado brasileiro no executivo, legislativo e judiciário.
A marcha tinha também o objetivo de dialogar com a sociedade e contribuir para a construção de uma nova consciência. Acreditamos que mostramos nossa força e capacidade de organização, e com isso, mostramos que novas relações devem ser construídas. A partir da auto-organização das mulheres, construímos autonomia e força para forjar essas novas relações