Foto: TONY KARUMBA / AFP

[Por Gilnei J. O. da Silva* via Brasil de Fato] Durante o período de isolamento social, imposto pela pandemia do novo coronavírus (covid-19), sob a justificativa de dar continuidade ao conteúdo escolar programado, as aulas presenciais foram sendo direcionadas para plataformas virtuais de ensino. E se recorreu de vez aos recursos educacionais digitais: aplicativos, sites e jogos online úteis para o ensino. Além é claro das videoaulas acompanhadas de atividades feitas por educadores, as quais devem ser assistidas e realizadas por estudantes (com auxílio dos pais/responsáveis), que depois fazem a devolutiva dentro da própria plataforma virtual, encaminhando as respostas de questionários, interagindo nos fóruns, fotografando ou filmando os processos de construção do conjunto de atividades. 

Pode-se pensar que é a “Era Digital” se impondo no ensino durante a pandemia? Dá para imaginar que todos vão migrar para o digital em condições de igualdade, incluindo a população mais vulnerável à pobreza? Dá para imaginar que todos vão migrar para o digital em condições de igualdade, incluindo a população mais vulnerável à pobreza? Será que os recursos educacionais digitais estão ao fácil alcance das mãos de toda a comunidade estudantil? Será que todas as famílias têm suficiente alfabetização digital e condições financeiras para auxiliar e possibilitar aos seus filhos o acesso e uso de ferramentas digitais? As respostas parecem óbvias. Não dá para desconsiderar ou fingir ser um problema menor, o que já se sabia antes da covid-19: a desigualdade digital.

Já se revelou que o lugar onde se mora define a inserção no mundo digital. As periferias de Porto Alegre, tanto como muitas outras do Brasil, estão repletas de famílias com filhos em idade escolar que enfrentam sérios empecilhos para o acesso à rede mundial de computadores.

Dificuldades que vão desde não conseguir comprar um computador até a incapacidade de pagamento do custo dos equipamentos ou dos serviços de conexão. Daí serem classificadas, nas pesquisas, como “usuários de segunda classe”, por fazerem uso da internet com base em ferramentas mais limitadas, como telefones celulares, acesso de dados limitado e acesso em lugares públicos.

Os dados sobre as desigualdades digitais são retratados pela pesquisa TIC Domicílios 2019 realizada em 23.490 domicílios em todo o território nacional, entre outubro de 2019 e março de 2020. A pesquisa tem o objetivo de medir o uso e apropriação das tecnologias da informação e da comunicação nos domicílios, o acesso individual a computadores e à Internet, e atividades desenvolvidas na rede, entre outros indicadores. De acordo com esse levantamento, publicado em 26 de maio de 2020:

# 26 milhões de brasileiros estão sem acesso a web somente na classe “D” e “E”.

# 20 milhões de domicílios (28%) não possuem conexão à Internet, realidade que afeta especialmente famílias com renda de até um salário mínimo (45%).

# 35 milhões de pessoas em áreas urbanas (23%) e 12 milhões em áreas rurais (47%) seguem desconectadas, sem internet.

# 58% de brasileiros buscam a rede exclusivamente pelo telefone móvel, proporção que chega a 85% na classe “D” e “E”.

# 14% dos domicílios das classes “D” e “E” têm a presença de computadores, sendo que 44% dos domicílios da classe “C” possuem algum tipo de computador, enquanto estão presentes em 95% domicílios da classe “A”.

Por si só, a falta de acesso à internet e o uso exclusivamente por celular, notadamente entre as classes “D” e “E”, já escancaram o tamanho da desigualdade digital existente no Brasil. Conforme revela a pesquisa, em resumo – entre quem usa a internet apenas pelo celular e quem não possui banda larga fixa no domicílio – passa a ser muitíssimo menor a possibilidade de realizar atividades escolares, culturais, de trabalho e de serviços públicos on-line.

Embora a última TIC Domicílios tenha sido coletada num período prévio à disseminação da pandemia, os seus dados revelam como limitações de acesso podem impactar os estratos mais vulneráveis da população. E, como comentou Alexandre Barbosa, gerente do Cetic.br, neste período de isolamento social, é ainda mais afetada a população infantil em idade escolar, nas famílias vulneráveis e sem acesso à Internet.

Diante dessa realidade, urgentemente neste contexto da pandemia (covid-19), cabe aos gestores públicos, em conjunto com a sociedade, construir medidas adequadas para enfrentar as desigualdades digitais e, consequentemente, promover e garantir o direito de acesso e uso seguro da internet a todos – incluindo as famílias em condições de extrema vulnerabilidade social – de acordo com o Marco Civil da Internet no Brasil.

E, em conformidade com o proferido pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU (Resolução A/HRC/C/L.20.), ao reconhecer a disseminação da interconectividade, enfatizando que o acesso à informação na internet facilita vastas oportunidades para a educação acessível, sendo assim uma ferramenta importante para facilitar a promoção do direito humano à educação. 

* Gilnei J. O. da Silva é mestre em Direito. Sócio-fundador do Instituto Dakini, integrante do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)

https://www.brasildefato.com.br/2020/07/22/artigo-a-desigualdade-digital-conectada-com-a-pandemia