Por Rosângela Gil
Estamos sob a égide de um falso paradigma: o da informação para todos. É como se todos, a partir do que nos é transmitido pelas diversas mídias, estivéssemos diante da melhor e da mais imparcial informação. O saudoso professor emérito da Universidade de São Paulo e geógrafo Milton Santos já apontava a “violência da informação” em seu livro “Por uma outra globalização“. Vivemos sob a tirania da informação que serve ao poder econômico, que hoje se faz hegemônico em escala mundial.
A informação que nos chega de várias formas, pela televisão, pelo rádio, pelos jornais, pela internet, enfim, por todas as técnicas hoje existentes, não é inocente, muito menos tem o caráter informativo (nas palavras de Milton Santos: de mostrar ou informar o “acontecer” do outro ou dos outros). Ao contrário, ela (a informação) tem um caráter decididamente ideológico, de opção de classe. Vale a pena ler, com muita atenção, as linhas seguintes escritas brilhantemente por Milton Santos, que, apesar de geógrafo, entendeu também os meandros da “nossa” informação.
Informação despótica
“Um dos traços marcantes do atual período histórico é, pois, o papel verdadeiramente despótico da informação. Conforme já vimos, as novas condições técnicas deveriam permitir a ampliação do conhecimento do planeta, dos objetos que o formam, das sociedades que o habitam e dos homens em sua realidade intrínseca. Todavia, nas condições atuais, as técnicas de informação são principalmente utilizadas por um punhado de atores em função de seus objetivos particulares. Essas técnicas da informação (por enquanto) são apropriadas por alguns Estados e por algumas empresas, aprofundando assim os processos de criação de desigualdades…
“O que é transmitido à maioria da humanidade é, de fato, uma informação manipulada que, em lugar de esclarecer, confunde. Isto tanto é mais grave porque, nas condições atuais de vida econômica e social, a informação constitui um dado essencial e imprescindível. Mas na medida em que o que chega às pessoas, como também às empresas e instituições hegemonizadas, é, já, o resultado de uma manipulação, tal informação se apresenta como ideologia. O fato de que, no mundo de hoje, o discurso antecede quase obrigatoriamente uma parte substancial das ações humanas — sejam elas a técnica, a produção, o consumo, o poder — explica o porquê da presença generalizada do ideológico em todos esses pontos. Não é de estranhar, pois, que realidade e ideologia se confundam na apreciação do homem comum, sobretudo porque a ideologia se insere nos objetos e apresenta-se como coisa.
“Estamos diante de um novo “encantamento do mundo”, no qual o discurso e a retórica são o princípio e o fim. Esse imperativo e essa onipresença da informação são insidiosos, já que a informação atual tem dois rostos, um pelo qual ela busca instruir, e um outro, pelo qual ela busca convencer. Esse é o trabalho da publicidade. Se a informação tem, hoje, essas duas caras, a cara do convencer se torna muito mais presente, na medida em que a publicidade se transformou em algo que antecipa a produção. Brigando pela sobrevivência e pela hegemonia, em função da competitividade, as empresas não podem existir sem publicidade, que se tornou o nervo do comércio.
“Há uma relação carnal entre o mundo da produção da notícia e o mundo da produção das coisas e das normas. A publicidade tem, hoje, uma penetração muito grande em todas as atividades. Antes, havia uma incompatibilidade ética entre anunciar e exercer certas atividades, como na profissão médica, ou na educação. Hoje, propaga-se tudo, e a própria política é, em grande parte, subordinada às suas regras.
“As mídias nacionais se globalizam, não apenas pela chatice e mesmice das fotografias e dos títulos, mas pelos protagonistas mais presentes. Falsificam-se os eventos, já que não é propriamente o fato o que a mídia nos dá, mas uma interpretação, isto é, a notícia. Pierre Nora, em um bonito texto, cujo título é “O retorno do fato” (in História: Novos problemas, 1974), lembra que, na aldeia, o testemunho das pessoas que veiculam o que aconteceu pode ser cotejado com o testemunho do vizinho. Numa sociedade complexa como a nossa, somente vamos saber o que houve na rua ao lado dois dias depois, mediante um
a interpretação marcada pelos humores, visões, preconceitos e interesses das agências. O evento já é entregue maquiado ao leitor, ao ouvinte, ao telespectador, e é também por isso que se produzem no mundo de hoje, simultaneamente, fábulas e mitos”.
“Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal“, Editora Record, de Milton Santos, é uma indicação de leitura do Boletim eletrônico NPC.
(Rosangela Gil, de Santos-SP)