Em sessão solene da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, na OAB/RJ, secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, cobra punição dos torturadores e abertura dos arquivos da ditadura. Na ocasião, 21 perseguidos pelo regime militar foram declarados anistiados políticos e receberam indenizações.

 

Por Raquel Junia e Sheila Jacob

“O que a gente pode dizer para um homem que ficou preso por quase dez anos em razão de atos arbitrários por parte do Estado que tinha o dever de protegê-lo e não de aprisioná-lo? (…) Gilney, o Brasil te tirou dez anos de liberdade, fisicamente dizendo, mas você deu e tem dado ao Brasil liberdade para todos, isso é um grande mérito e também devemos isso a você. Em nome do estado democrático brasileiro, do estado de direito do Brasil, hoje queremos pedir desculpas e perdão pelos erros que o nosso país cometeu contra o senhor no passado”.

Esse foi o pedido oficial de desculpas feito, no dia 27 de fevereiro, pelo presidente da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, a Gilney Amorim Viana, um dos brasileiros presos e torturados durante a ditadura civil-militar.

Na mesma ocasião, na sede da OAB do Rio de Janeiro, a Comissão de Anistia julgou e concedeu anistia a 21 requerentes, atingidos pela ditadura militar. Além do julgamento, também foi realizada uma das edições do projeto “Anistia Cultural”, lembrando os 40 anos do decreto-lei 477/69. O decreto expedido pelo general Costa e Silva expulsou das faculdades centenas de estudantes e professores, considerados “subversivos”.

O secretário especial de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi esteve na atividade. Ele saudou os presentes, e mencionou a presença de colegas “do tempo do presídio”. Lembrou que o decreto 477 empurrou as pessoas para a resistência armada. Assim como outros convidados da mesa, como a presidente da Une, Lucia Stumpf, e o presidente da UBES, Ismael Cardoso, Vannuchi criticou as declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes.

“Uma figura do judiciário, já muito bem lembrada aqui hoje, recentemente quis retomar a idéia da anistia. Disse que teria que ser pensada também para os terroristas da época. Em uma entrevista, eu pude responder que aquele ministro, ao usar a palavra terrorista, se alinhava perigosamente com o encaixe doutrinário ideológico da guerra fria, da Doutrina de Segurança Nacional e comprovava o quanto a construção democrática ainda é um processo em dinâmica”, afirmou.

O secretário completou com o que considera ser a democracia plena: “eu e muitos daqui somos daqueles que acreditamos que a democracia só realizará a idéia angular da igualdade quando o sistema econômico-produtivo do país estiver em correspondência com essa idéia. Enquanto houver uma única relação de alguém trabalhando para alguém, mesmo que seja uma empregada doméstica que o patrão considera como parte da família, a igualdade entre seres humanos, essencial na democracia, não estará assegurada”.

Abertura dos arquivos é compromisso do governo Lula, diz Vannuchi

Segundo Paulo Vannuchi, o direito das famílias de sepultar os mortos pela ditadura é uma exigência incorporada inteiramente pelo governo Lula, ainda que haja declarações dissonantes de ministros. “Estamos conscientes de que o país só se garantirá quanto a não repetição dessa violência se for capaz de processar, assimilar, responsabilizar, digerir profundamente o ocorrido, com a abertura dos arquivos”, garantiu o secretário.

“Cada um dos locais de possível sepultamento terá que ser abordado novamente com antropologia forense, arqueologia, com a presença da imprensa”, disse Vannuchi, se referindo a locais como a região do Araguaia, onde ocorreu o foco de resistência armada que ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia.

Vannuchi criticou o jornal Folha de S. Paulo que recentemente usou o termo “ditabranda” em um editorial para se referir à ditadura brasileira. Também pediu aos presentes um desagravo por meio de uma salva de palmas aos professores Maria Vitória Benevides e Fábio Konder Comparato, que foram agredidos verbalmente pelo jornal depois que enviaram uma carta de protesto ao termo “ditabranda”.

O secretário nacional de direitos humanos terminou pedindo que os advogados e a sociedade de cada estado se encarreguem de investigar os torturadores da ditadura militar que atuaram nesses estados, para que dessa forma o judiciário se sinta pressionado por essa “agenda”. Lembrou casos de desaparecidos ainda hoje, como Rubens Paiva e Stuart Edgar Angel Jones, no Rio de Janeiro.

Paulo Vannuchi informou ainda sobre uma série de iniciativas que o governo federal pretende colocar em prática para que os arquivos da ditadura sejam abertos. Entre elas, está uma campanha publicitária na qual as mães ainda vivas dos desaparecidos e desaparecidas durante a ditadura apareçam com a foto dos seus filhos em horário nobre da televisão dizendo frases como: “eu não quero morrer antes de ter informações sobre o paradeiro do meu filho”.

“Isso é para que o Brasil passe a se sensibilizar e force um movimento de pressão democrática, porque, como sempre, a sociedade civil obriga o estado a atuar melhor e não o estado, por suas próprias forças e contradições”, disse Paulo Vannuchi.

Entre os anistiados, o presidente da UNE que organizou o Congresso em Ibiúna

Luiz de Gonzaga Travassos da Rosa, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, foi um dos anistiados post mortem. Ele foi organizador do 30º Congresso da UNE, de Ibiúna, onde foi preso em 1968. Foi representado no evento por Marijane Lisboa, que era esposa da vítima e estava acompanhada pelos filhos. Em depoimento emocionado, Marijane afirmou que o Estado brasileiro tem a obrigação de rever o passado de perseguição política e tortura para construir o futuro democrático.

“Sei que a continuação da matança e a naturalização das diferenças são o resultado de não termos condenado a tortura neste país. Vejo isso quando perguntam com escárnio para minha filha se ela é delegada dos direitos humanos, ou então quando vejo que continuamos matando nossos últimos índios”, afirmou emocionada.

Para Edson Benigno da Mota Barros, que também faz parte do grupo dos ex-perseguidos políticos anistiados na sexta-feira, “hoje, salvar as aparências da ditadura é impossível”. Ele esteve à frente do DCE da UFF, em Niterói, e foi responsável por comícios relâmpagos, panfletagens contra a Ditadura Militar e ocupação da reitoria quando a entidade foi fechada pelo governo.


A Comissão de Anistia também julgou os processos dos seguintes requerentes: Ana Maria Ribas Bizze, Candido Pinto de Mello (post mortem), Carlos Alberto Vieira, Cristina Maria Buarque, Daniel Aarão Reis, Edson Benigno da Motta Barros, Eraldo Fernando dos Santos, Gilney Amorim Viana, Glauco Augusto Duque Porto, Hudson Cunha, Jorge Ricardo Santos Gonçalves, José Carlos Avelino da Silva, José Tadeu Carneiro, Jurandir Bezerra de Oliveira, Laurindo Martins Junqueira Filho, Luiz Gonzaga Travassos da Rosa (post mortem), Manoel Mosart Machado, Maria Dalce Ribas, Maria Julieta Mendonça Viana, Robinson Ayres Pimenta e Walmir Andrade Oliveira (post mortem).

Confira a entrevista com Gilney Viana, um dos brasileiros presos e torturados durante a ditadura civil-militar.