Entrevista com Diogo Moysés, do Intervozes, a Rosângela Ribeiro Gil, do NPC em Santos (set/2005)

O Brasil ainda está muito distante de garantir a realização plena de mais um direito humano, o direito à comunicação. Esta é uma das revelações da pesquisa “O Direito à Comunicação no Brasil”, realizada pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, que faz parte do Projeto de Governança Global da Campanha CRIS – Communication Rights in the Information Society.

A pesquisa foi lançada oficialmente em Santos (SP), no dia 5 de setembro, numa promoção do Centro de Imprensa Alternativa (CIA). O evento, como informa Carlos Gustavo Yoda, do CIA, foi uma atividade preparatória à Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, que acontece em Santos, de 17 a 22 de outubro. “Queremos sensibilizar os estudantes de comunicação, acostumados nas escolas para a lógica do mercado, a pensar a comunicação como um direito fundamental de uma sociedade democrática”, informa Yoda.

O Boletim NPC entrevistou um dos coordenadores da pesquisa, Diogo Moysés, do Intervozes, que esteve em Santos, no lançamento que reuniu mais de 130 pessoas, principalmente estudantes de comunicação, numa universidade local. A pesquisa está na página do Coletivo Brasil de Comunicação Social (www.intervozes.org.br).

Boletim NPC – Quais os principais dados levantados pela pesquisa O Direito à Comunicação no Brasil?

Diogo Moysés – A pesquisa pretende revelar a situação atual, no Brasil, dos diversos elementos que formam, em conjunto, o direito à comunicação. Apontar quais os “principais dados” é bastante complicado, porque a pesquisa passa por campos bastante diversos, como liberdade de expressão, pluralidade dos meios, respeito à diversidade, propriedade intelectual, acesso às TICs, etc. Entretanto, é possível dizer que o estudo revela que, no Brasil, estamos muito distantes de garantirmos a realização plena desse direito humano, que é o direito à comunicação. Em todos os temas (pilares) pesquisados, não há uma legislação que aponte para a efetivação deste direito. De fato, a comunicação é tratada como um serviço, não como um direito. Mais do que isso, podemos dizer que hoje a informação é a mercadoria mais valiosa do capitalismo, e que para que continue sendo assim, é preciso que ela possa circular sob a perspectiva exclusiva da geração de lucro. O interesse público, quando se fala em comunicação no país, é algo bastante secundário.

Boletim NPC – Como o Intervozes define a comunicação que se faz hoje no País?

Diogo Moysés – Aqui corro risco de cometer impropriedades, porque a pergunta é um tanto genérica. Mas diria que hoje a comunicação está a serviço de poucos, que a usam como um instrumento de poder, mais precisamente para a manutenção do poder das elites. Há resistências localizadas, assim como tentativas pontuais de democratização dos meios e conteúdos, mas, de fato, há uma hegemonia dos meios privados, comerciais, regidos exclusivamente pela lógica do lucro. E lucro e interesse público, do meu ponto de vista, são inconciliáveis.

Dessa forma, temos um quadro completamente desigual, onde poucos podem exercer sua liberdade de expressão enquanto a maioria é obrigada a ficar calada, como se meia dúzia representasse a maioria. Assim, além de reproduzir o pensamento político dominante, os principais meios de comunicação também não expressam as diversidades presentes na sociedade.

Boletim NPC – Por que a comunicação é um direito humano?

Diogo Moysés – Aqui reproduzo um texto que escrevi no começo do ano e que está no folder de nossa entidade: “O direito à comunicação é um dos pilares centrais de uma sociedade democrática. Assumir a comunicação como um direito humano significa reconhecer o direito de todas as pessoas de ter voz, de se expressar. Significa reconhecer a comunicação como um direito universal e indissociável de todos os outros direitos fundamentais”.

O direito à comunicação é mais do que a liberdade de expressão e o direito à informação: é o direito de todas as pessoas de ter acesso aos meios de produção e veiculação de informação, de possuir condições técnicas e materiais para ouvir e ser ouvida, de ter o conhecimento necessário para estabelecer uma relação autônoma e independente frente aos meios de comunicação. Se comunicação é um direito, é preciso que haja a permanente busca por garanti-lo. Portanto, enquanto há impeditivos (sejam eles sociais, políticos, econômicos ou técnicos) para a realização plena desse direito, é preciso uma postura ativa do Estado de promoção da pluralidade, da diversidade e da luta constante pela superação dessas desigualdades.

Mas o direito à comunicação não se realiza apenas nos espaços da mídia tradicional. Garantir o acesso direto de todos os cidadãos às Tecnologias de Comunicação e Informação, como a Internet, é outra condição para a efetivação do direito à comunicação. Sem acesso à tecnologia e à educação para sua utilização, aumenta o abismo entre os que têm e os que não têm”.

Boletim NPC – O que deveria ser mudado na legislação brasileira para tornar a comunicação mais democrática no País?

Diogo Moysés – Precisamos de uma legislação que coloque as coisas em seu devido lugar: que limite à propriedade dos meios, que garanta a diversidade cultural, que propicie o controle público da comunicação e que possibilite o acesso, por

todos, aos meios para produzir e veicular. A legislação, certamente, precisa garantir que o Estado seja o responsável pela promoção do direito e não um simples espectador do mercado.


(Rosângela Ribeiro Gil, da Equipe NPC, em Santos)