Entrevista a Ana Manuella Soares, fevereiro de 2006, para o Boletim NPC
Um curso inovador que junta Comunicação e Educação ensina alunos das séries do ensino fundamental a produzirem programas de rádio nas escolas. O “Educomunicação pelas ondas do rádio” nasceu em 2001, financiado pela Prefeitura de São Paulo e coordenado pelo professor da USP Ismar de Oliveira Soares. O curso é uma das atividades de um projeto de pesquisa do Núcleo de Comunicação e Educação da USP (Educom) e atende a 12 mil professores, alunos e membros de comunidades educativas em 455 escolas do município de São Paulo.
A produção dos programas realizados pelas rádios instaladas nas escolas é feita pelos próprios professores e alunos da rede. Da elaboração das pautas, reportagens até inserção no ‘ar’, todas as atividades do Educom.rádio são integradas às práticas curriculares dos estudantes. O projeto conta com uma equipe de formadores composta por 200 especialistas formados pelo próprio NCE.
O objetivo do Educom.rádio, segundo seus idealizadores, é resolver um problema específico: a violência nas escolas. O programa conta com a instalação de um laboratório de rádio em cada escola. No curso, os alunos aprendem técnicas de operação de som, locução, pauta de programação, técnicas de entrevistas e interpretação. Por Ana Manuella Soares, fevereiro de 2006
BoletimNPC — Como surgiu a idéia de uma rádio feita por alunos das séries do ensino fundamental?
Ismar — O Programa “Educomunicação pelas Ondas do Rádio” (Educom.rádio) surgiu em 2001, quando a professora Dirce Gomes, coordenadora do Projeto Vida, da Prefeitura de São Paulo, convidou o Núcleo de Comunicação e Educação (www.usp.br/nce) para colaborar na redução da violência nas escolas do ensino fundamental.
Foi, então, que nos lembramos de experiências internacionais, nos Estados Unidos e na África do Sul, que faziam uso dos recursos da comunicação, tais como ao vídeo-arte e o rádio, para solucionar conflitos.
No caso de São Paulo, propusemos introduzir nas escolas o conceito da educomunicação, um novo campo de intervenção sócio-pedagógica voltado para a ampliação da capacidade de expressão de todos os membros da comunidade escolar. É o que chamamos de “ecossistema comunicativo” em espaços educativos. Nossa proposta foi a de trabalhar conjuntamente com professores, alunos e representantes da comunidade, num curso semestral, no sentido de colaborar com as escolas para introduzir a comunicação como um eixo transversal nas práticas educativas.
No caso, estamos falando de uma comunicação dialógica e participativa, vencendo o verticalismo que predomina nas relações de comunicação entre professores e alunos. Para tanto, escolhemos a linguagem radiofônica como um recurso eficaz para aproximar toda a comunidade educativa. Através do diálogo propiciado pelo uso do rádio, esperávamos superar a violência.
BoletimNPC — E conseguiram?
Ismar — No final de 2003, um ano e meio depois do início do programa, a Secretária de Educação do Município informou que onde o Educom.rádio fora instalado os índices de violência, registrados nas coordenadorias pedagógicas haviam sofrido uma redução da ordem de 50%.
BoletimNPC — Quantas escolas participam do projeto?
Ismar — Foram atendidas 455 escolas, distribuídas em todos os pontos da cidade. O trabalho foi desenvolvido do segundo semestre de 2001 até o segundo semestre de 2004. Em cada semestre, foi atendido um grupo de escolas. No primeiro semestre, por exemplo, 26 escolas participaram. Já no sexto semestre, o número se elevou para 136 escolas. Ao longo dos sete semestres, mais de mil especialistas foram preparados para trabalhar com os 12 mil professores e estudantes das escolas públicas, matriculados no programa.
BoletimNPC — Como foi o envolvimento das escolas com o projeto?
Ismar — O comprometimento com o projeto dependeu do apoio que os diretores e coordenadores pedagógicas de cada escola deram à iniciativa da Secretaria. Onde o diretor ou diretora apoiou, o projeto alcançou altos níveis de desenvolvimento. Na verdade, o grande obstáculo foi o fato de apenas 255 escolas terem recebido os equipamentos. Um total de 200, justamente as que foram formadas ao longo de 2004 ficaram sem poder colocar em prática o que haviam aprendido no curso. A administração Marta alegou que os fornecedores dos equipamentos criaram problemas nas licitações, obrigando a prefeitura a elevar o preço mínimo, o que tornou inviável a aquisição do equipamento. Já a nova administração partiu do princípio de que não dispunha de verba para fazer a compra dos equipamentos de rádio para as escolas não atendidas. Não se buscou caminhos alternativos para suprir as escolas das condições indispensáveis para a imple
mentação do projeto. Uma lástima, pois o desinteresse do poder público acabou por debilitar um projeto considerado pioneiro em todo o país.
BoletimNPC — Qual o alcance da rádio e como ela funciona no dia-a-dia da escola?
Ismar — O rádio foi escolhido justamente porque permite que o professor e o aluno tenham algo em comum sobre o que falar e a partir do que construir referências num diálogo sobre a vida da escola ou sobre a relação da comunidade escolar com os temas transversais ou, mesmo, com o mundo. No caso, o curso terminava justamente trabalhando o conceito de “planejamento”, dando condições para a comunidade decidir qual o melhor caminho para implantar o projeto em cada unidade educativa. Muitas escolas optam por instalar o rádio para funcionar no recreio. Outras, usam o rádio nos fins de semana. Há escolas que usam o estúdio de rádio para os alunos produzirem programas sobre a memória do bairro ou da região ou para desenvolver temas próprios da rotina curricular. O importante, em cada opção, é o processo, que deve ser sempre democrático e participativo.
BoletimNPC — O que é o projeto Educom.Rádio, hoje?
Ismar — O Educom.rádio, hoje, é uma experiência em expansão, que pode ser conhecido através do site www.usp.br/educomradio. Um total de 17 mil pessoas passou pelos cursos do NCE ao longo dos últimos cinco anos, em vários estados do Brasil. Em setembro de 2005, o NCE recebeu, no Rio de Janeiro, o Prêmio Luiz Beltrão, da Intercom, uma associação de pesquisadores da comunicação, como “grupo inovador”. Os sites de busca, como o Google, dão conta de que nos últimos três anos, houve um crescimento rápido de experiências na área em todo o Brasil. Mesmo na USP, que é uma universidade conservadora, já existe uma linha de pesquisa denominada “Educomunicação”.