Acervo possui produções de movimentos sindicais e populares do Brasil todo
“Eu não tinha noção da complexidade de gente fazendo vídeos pelo país”, confessa Leon Diniz, um dos mais antigos companheiros do Núcleo Piratininga de Comunicação e responsável por cuidar do acervo de filmes, que agora está disponível digitalmente no portal do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC).
Desde 2006, o NPC vem reunindo produções audiovisuais que retratam as mais diversas lutas, sejam elas questões agrárias, étnicas, do mundo do trabalho, de gênero e das favelas. Esse material é fruto das andanças de Claudia Santiago e Vito Giannotti pelo Brasil, através das formações ministradas a sindicatos ou movimentos sociais.
Em seu acervo físico, o Núcleo Piratininga de Comunicação possui quase 500 filmes em DVD. Anteriormente, o NPC lançou um catálogo impresso reunindo 336 películas. “As pessoas pegavam o catálogo e às vezes iam ao Núcleo tomar emprestado o vídeo, ou a gente indicava onde estava. Havia também uma preocupação de indicar formas de usar estes vídeos, por exemplo, um filme produzido pelo Movimento Sem Terra pode ser utilizado em aulas de Geografia, História e Biologia”, comenta Leon.
Agora, com o apoio da Fundação Rosa Luxemburgo, o NPC disponibiliza através de seu site uma parte deste acervo. Por enquanto, são 236 filmes, agrupados em 16 eixos temáticos, através deste link: https://nucleopiratininga.org.br/dicas-do-npc/catalogo-de-videos/
As temáticas do catálogo são:
- Adolescência e Juventude
- Comunicação Alternativa
- Experiências Populares
- História do Brasil
- Lutas Mundiais
- Lutas pela Terra
- Lutas Urbanas
- Manifestações Culturais
- Meio Ambiente
- Movimento Negro
- Movimento Sindical
- Povos Indígenas
- Questão de Gênero
- Realidade Brasileira
- Saúde do Trabalhador
- Trabalho Escravo
O acervo que o Núcleo Piratininga de Comunicação reuniu ao longo do tempo tem como ponto central a luta dos trabalhadores, mas também conta com um vasto conteúdo sobre as particularidades de quem lida com outras opressões sociais. “O grande barato é o quanto aquela divisão que a gente fez lá atrás já era muito moderna, indicando algumas discussões identitárias”, afirma León.
O acervo do NPC educa mostrando que, se por um lado, o movimento sindical é fundamental, por outro, é preciso admitir que não é possível fazer a luta revolucionária abrindo mão das questões de raça e gênero: “Dá para você sacar em alguns vídeos o quanto vai se falar: olha, nós temos que mudar a realidade do negro e da negra, mas só isso não basta”, comenta.
Para o organizador do catálogo, esse cruzamento de pautas simboliza um pouco o que foi a figura de Vito Gianotti, e segue sendo com sua companheira Claudia Santiago. “Era um cara que tinha uma prática revolucionária absurda, desde a década de 60 e 70, e continuava acreditando nesse tipo de luta, mesmo não sendo mulher, negro ou indígena. Acho que esse catálogo é a cara dele”, declara Leon emocionado.
Memória da esquerda
A organização do catálogo de filmes do NPC levanta um debate sobre a preservação da memória da esquerda. A importância de produzir e cuidar dos conteúdos que contam a história das lutas sociais e os personagens que integraram esta trajetória. Para León, a esquerda cumpre mal o papel de apontar quem são as grandes referências do campo. “A gente é desorganizado, a gente não consegue, para além das estruturas partidárias e sindicais, mostrar quem foi e quem é importante nessa luta”.
O acervo de filmes do NPC oferece um resgate do nome de figuras importantes no âmbito regional. “Se você for procurar na seção de lutas sindicais vai encontrar a história de Valadão. Eu nunca soube quem é esse cara, mas lá tem o vídeo, acho que do Sindicato de São Bernardo, sobre essa figura emblemática. Então, você vai ver pelo país algumas personalidades que o sindicato de cada região fez”, afirma León.
Dicas do Leon
Leon Diniz: o catálogo de filmes do NPC levanta debate sobre preservação da memória da esquerda
Os filmes do catálogo do NPC também podem ser encontrados virtualmente no nosso canal do YouTube: https://www.youtube.com/c/NPiratininga/playlists. Para aqueles que desejam se aventurar nos filmes e podem ficar perdidos, Leon deixa a dica de três produções para começar a curtir o acervo:
- Caminhando para o céu
De um lado, os Sem Terra. Do outro, os que se dizem donos da terra. No meio, a Polícia, a Justiça e o Governo e uma dívida de 500 anos: a reforma agrária. São esses atores que este documentário coloca frente a frente, num confronto de classes que é uma aula sobre a sociedade brasileira. Sob frio intenso, 800 Sem Terra caminham rumo à fazenda Estância do Céu, na cidade gaúcha de São Gabriel, durante o inverno de 2003. Querem chegar à fazenda do ruralista Alfredo Southall, decretada como improdutiva pelo INCRA e, portanto, pela lei, sujeita à reforma agrária. O dono desta terra é proprietário de 13 mil hectares e não admite nenhum tipo de contestação a sua propriedade. Nem que a lei exija. Mas o MST reivindica a desapropriação da fazenda. As ações e reações da longa marcha dos Sem Terra mostram um Rio Grande do Sul dividido ao meio, em classes antagônicas, a oligarquia rural e os filhos do êxodo rural. Uma terra gaúcha onde o presente cobra do passado uma resposta nunca dada. É a história da luta pela terra no Brasil. Uma história que muitos já tentaram enterrar, mas que está sempre renascendo, tentando se eternizar.
Sugestão de uso: Vídeo muito didático, pode ser usado como inspiração para debates e aulas sobre as práticas dos movimentos sociais no Brasil. Também é um importante documento histórico sobre o MST.
Direção: Airton Centeno e Carlos Carmo; 2004; 24 min. Produção: Casanova Filmes.
Realização: Sintrajufe-RS e CUT-RS, entre outras.
Caminhando para o céu | NPC (nucleopiratininga.org.br)
2. Entre Muros e Favelas
Impressionante documentário sobre a vida e a morte nas favelas do Rio de Janeiro. A partir de uma visão de classe, apresenta a violência policial e a do tráfico como dois lados de uma mesma moeda: a guerra contra os pobres. O vídeo conta com depoimentos de representantes de ONGs e movimentos sociais, aos quais se somam as emocionantes falas de parentes e amigos de vítimas da violência. Violência esta que tem cor, classe e idade, já que a grande maioria de mortos e feridos é formada por jovens, negros e pobres. O cenário do documentário são as próprias ruas e becos dos morros cariocas, onde residem mais de 20% da população da cidade.
O filme desnuda o papel do Estado, presente nessas localidades apenas através da violência policial. Mostra que, com o neoliberalismo, o Estado reduz ainda mais os gastos com educação, saúde, saneamento básico e habitação, entre outras atribuições que deveria exercer. Denuncia o medo e o preconceito difundidos pela mídia em relação aos que moram em favelas, tratados como “classes perigosas”, um estímulo a essa verdadeira barbárie. Consegue ainda politizar a questão da violência e mostra a resistência dos que se opõem a esse massacre, especialmente das mães que perderam seus filhos, pois dá voz àqueles que normalmente são calados.
Sugestão de uso: Entre Muros e Favelas é indicado para qualquer aula de História, Geografia e sobre cidadania, que tenha como tema o Rio de Janeiro e sua história recente e a discussão dos principais problemas sociais do Brasil atual.
Direção: Suzanne Dzeik, Kirstem Wagenschein e Marcio Jerônimo: 2005; 56 min.
Realização: Ak Kraak, A Trever, TV Tagarela.
Entre Muros e Favelas | NPC (nucleopiratininga.org.br)
3. Raiz Forte
Documentário sobre o MST por meio de imagens e depoimentos colhidos em acampamentos e assentamentos de vários estados brasileiros que apresentam as diferentes fases e formas de luta. Começa apresentando o processo de recrutamento do MST, como se dão as ocupações das fazendas e a construção dos acampamentos. Desnuda a violência policial quando são realizados os despejos das ocupações. Através de imagens do Paraná e de Eldorado dos Carajás (PA), mostra a repressão e a forma como o Estado brasileiro e as classes dominantes tratam o movimento e os trabalhadores do Brasil.
Mostra também o processo de produção nos assentamentos e acampamentos. A mudança de vida e de visão de mundo pela qual passam os Sem Terra. Apresenta a nova vida nos assentamentos já consolidados, a produção em cooperativas, a industrialização de diversos produtos e a riqueza das experiências do trabalho coletivo. Discute as dificuldades encontradas para obtenção de financiamentos e para a produção de mercado. Apresenta ainda as iniciativas de produção orgânica e de diversas formas de comercialização. É um dos mais completos documentários sobre um dos mais importantes movimentos sociais do mundo.
Sugestão de uso: Debates políticos em escolas, faculdades e movimentos sociais.
Direção: Aline Sasahara e Maria L. Mendonça; 2004; 42 min.
Realização: Centro de Justiça Global – Global Exchange.