Por Cláudia Santiago

  • Volta Redonda, Rio de Janeiro, Brasil. 9 de novembro de 1988, quarta-feira
  • Presidente da República: José Sarney
  • Governador do Rio de Janeiro: Moreira Franco
  • Comandante da Operação Militar: General José Luís Lopes da Silva

No dia 7 de novembro de 1988, os operários da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), entraram em greve. Lutavam pela implantação do turno de 6 horas, reposição de salários usurpados por planos econômicos e reintegração dos demitidos por atuação sindical. A greve envolveu a comunidade de Volta Redonda.

No dia 9 de novembro, soldados do Exército de vários quartéis do estado e do Batalhão de Choques da Polícia Militar do Rio de Janeiro dispersaram uma manifestação em frente ao escritório central da companhia e invadiram a usina.

Mataram William Fernandes Leite, 22 anos, com tiro de metralhadora no pescoço.

Mataram Valmir Freitas Monteiro, 27 anos com tiro de metralhadora nas costas.

Mataram Carlos Augusto Barroso, 19 anos, com esmagamento de crânio.

Mesmo após os assassinatos e prisões a greve continuou até o dia 23 de novembro. Os trabalhadores conquistaram todas as suas reivindicações.

No dia 1º de maio do ano seguinte, com a presença do então presidente nacional da CUT, Jair Meneguelli, foi erguido na Praça Juarez Antunes, memorial em homenagem aos três operários.

Algumas horas depois uma bomba explode e põe por terra o memorial.

Hoje, o memorial está de pé. Volta Redonda, porém, não é mais a mesma.

Aumentou o número de desempregados, o número de suicídios e a violência na cidade. Aquela greve, aqueles assassinatos são marcas definitivas do início da implantação do projeto neoliberal no Brasil.

Volta Redonda 10 anos depois

Há dez anos Volta Redonda era uma cidade pacata do interior do estado. A população vivia em função da Companhia Siderúrgica Nacional, criada em 1941, no governo de Getúlio Vargas. O metalúrgico tinha orgulho de vestir o uniforme azul da usina. O uniforme que funcionava até como cartão de crédito. Os trabalhadores das empreiteiras que prestavam serviço à Companhia sonhavam em um dia também vestir aquele uniforme.

Volta Redonda não é muito grande. A maioria da população se conhece. Ou estudou junto, ou conheceu no grupo de jovens, ou num clube. Tem sempre um laço.

Isto explica a adesão dos moradores da cidades às greves da CSN. Eles foram tão reprimidos naquele dia 9 de novembro, quanto os próprios grevistas. Jornalistas destacados para cobrir o movimento até hoje não entendem como a população, que se concentrava na Praça em frente à empresa, foi tão fortemente atacada.

Um personagem esperado

O Exército era um dos personagens das greves realizadas pelos operários da CSN. Em 84, a simples notícia de que pelotões do Exército estavam se deslocando para a Companhia, fez com que os trabalhadores votassem o fim da greve. Nos anos seguintes, os soldados também estavam lá. Em 88, portanto, não seria diferente.

Algumas coisas haviam mudado, porém.

Pelo lado dos trabalhadores havia a disposição de não por fim ao movimento em função da chegada dos militares. Eles estavam dispostos a enfrentá-los.

Do outro lado, a decisão de enviar tropas de outras unidades para ocupar a siderúrgica mostra que os militares estavam dispostos a tudo. Os soldados de Barra Mansa eram, no mínimo, conhecidos dos metalúrgicos. A maior parte era mais do que isto. Era filho, irmão, primo ou vizinho. A proximidade sanguínea ou afetiva, talvez impedisse derramamento de sangue. A decisão de convocar militares de outras unidades foi um sinal.

Para se defender do Exército os trabalhadores foram obrigados a improvisar.

“O Isac e o Vanderlei subiram numa lata de 200 litros de óleo e começaram a falar com os trabalhadores. Os trabalhadores repetiam o que eles falavam para todos ouvirem. Isto se propagou por toda a usina”, conta o diretor da CUT/RJ e do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de Volta Redonda, Marcos Aurélio Hartung.

Era preciso abrir caminho para a privatização

Para Vanderlei Barcellos, um dos líderes do movimento a repressão foi mais forte porque o projeto da privatização já estava a caminho. ” Naquela época o trabalhador sonhava e não era fácil o caminho da cooptação. Precisa começar a desmontar o movimento. E nós saímos daquela greve fortalecidos. A estrutura ainda estava contaminada pela prática da ditadura militar. Com Collor e Lima Neto ficou provado que a melhor forma de dominação é a ditadura burguesa e não a ditadura militar”.

Vanderlei lembra que o Exército nunca tinha feito cordão de isolamento dentro da usina. “Nunca tinham usado bala de festim ou prendido trabalhadores”.

A Igreja sempre esteve presente

A Igreja sempre foi muito atuante na organização da esquerda em Volta Redonda. Na época da ditadura vários padres da cidade foram presos e torturados. Dom Valdir Calheiros, bispo do município sempre esteve ao lados dos operários da cidade.

Para ele, aquela greve aconteceu num momento já adverso à classe trabalhadora. “Pouco depois caiu o muro de Berlim. Com a queda do muro o capitalismo ficou mais audacioso e procurou se estabelecer a como a única proposta verdadeira para a sociedade”, explica.

Para Dom Valdir a repressão àquela greve já era a introdução do neoliberalismo no Brasil. “Eu me lembro que dentro da negociação entre os operários e a companhia siderúrgica se deslocou para cá o ministro da indústria e comércio. Ele apontou com a privatização da companhia. Com o Collor e começou o desmonte total da organização dos nossos operários”.

Volta Redonda hoje

O morador de Volta Redonda sabe que a vida dele piorou depois da privatização da CSN. Aumentou o número de suicídios, de desempregados, de processos trabalhistas. O porteiro de um prédio na avenida principal, diz que o número de assaltos multiplicou por quatro. Logo nos pri

meiros anos, a venda do comércio caiu quase 50%.

“O que assistimos aqui foi uma espécie de psicose. Será que segunda-feira eu volto para trabalhar? Será que amanhã o meu nome ainda consta como operário da Siderúrgica. Este medo paralisou todo mundo. A CSN chegou a ter, se não me engano, junto com as empreiteiras, 30 mil operários. Hoje foi reduzido para 6, e eles querem chegar a quatro”.

O medo do desemprego paralisou os trabalhadores

Para Dom Valdir Calheiros, esta foi a verdadeira arma destruidora da organização sindical na região. Marcão diz que a companhia mudou muito. “Aumentou o número de mulheres, a. terceirização na produção e manutenção e entraram muitos jovens vindos da Escola técnica, com a visão do TQC”.

E continua. “A repressão dentro da usina é muito forte. Trabalhadores estão tímidos, com medo de se expressar. Os mais jovens não pegam um panfleto. Eles têm medo. Gente que já foi ativo da juventude do PT, hoje não pega o panfleto. Liderança máxima da JOC a nível nacional, um dos reitegrados com a greve de 88 age assim. É como se as pessoas tivessem sido ganhas pelas idéias. Até porque é uma idéia atraente. Você é parceiro, ajuda a criar, a fazer. A preocupação em manter o emprego domina os atuais trabalhadores da CSN”.

Um sonho ignorado

Marcão conta que o monumento erguido na Praça Juarez Antunes, em homenagem a William, Valmir e Barroso para muitos significa o passado que se ignora ou teme. Vanderlei Barcellos lembra que naquela época se tinha mais sonho. “A gente sonhava. Não com a greve resolvendo tudo, mas com o movimento significando um crescimento de conscientização e conquistas. Um crescimento de organização”.

Sonho que se sonha só  ou se sonha junto?

“Os trabalhadores na fábrica também sonhavam muito. Se não a gente não teria mobilizações como as que tínhamos. Não conseguiríamos fazer um abraço à usina com a população inteira participando. Depois que a greve acabou, a peãozada não entrou enquanto o exército não saiu.”

Ele explica. “Quando eu falo em utopia eu não estou falando de ilusão, estou falando de sonho realizável. Naquela época nós sonhávamos em ir para algum lugar.” Vanderlei diz que não quer ser saudosista, mas não consegue fugir. “A cidade vivia em torno da Companhia. A gente queria a CSN estatal a serviço do povo.

Então por que mudou tudo tão rapidamente, Vanderlei?

“Antes da greve a gente trabalhou muito a organização sindical. Nós tínhamos crescido muito nesta área em Volta Redonda. Eu acho que depois da greve nós não demos muito valor a isto. Nos satisfizemos em ganhar o turno de 6 horas. Em eleger Juarez. Eu me elegi vereador. Enfim, eu acho que nós nos satisfizemos com aquilo e não continuamos trabalhando a organização dos trabalhadores.

Esta greve é um marco. Ela faz parte da história do Brasil. Hoje ninguém lembra dela, mas ela é um símbolo. Outra coisa é saber se nós soubemos utilizar este símbolo. Eu diria que nós nos contentamos com esta greve. Ele deveria ter sido um trampolim na organização e não foi. Tanto que quatro anos depois desmontou tudo”.

Aqui jaz o Sindicato, diz Dom Valdir

É verdade. Em 89, a greve geral organizada pela já mobilizou pouco os trabalhadores da companhia. Em 90, com uma campanha de mídia muito bem organizada, a CSN encarou 30 dias de paralisação. Não houve conquistas para os trabalhadores.

“Aquela greve não existe como referência de movimento. O trabalhador não está percebendo que o caminho impedir a volta do turno de 8 horas, o contrato temporário, a alíquota do FGTS é o caminho do enfrentamento. É o caminho que indica aquele monumento na Praça Juarez Antunes.

Dom Valdir faz questão de lembra que não foram só três mortes. “O presidente do Sindicato também morreu. Pode ficar certa que Juarez morreu porque comandou aquela greve”. Para ele Juarez Antunes foi o comandante da grande guerra que houve em Volta Redonda, do trabalho contra a exploração do capital.

Para o bispo o saldo foi saudável. “Os operários acreditavam na organização. E este saldo foi até o momento em que foi definido por Collor mandou para cá o Lima Neto para preparar a privatização. Aí se começou a sentir a fraqueza. O operário vai muito bem enquanto ele está trabalhando. Perdeu o trabalho muda. Eu costumo dizer que operário sem trabalho é igual a general de pijama. Não comanda nada”.

A busca de soluções individuais

Dom Valdir não é pessimista. Mas não vê com alegria o caminho que está sendo trilhado pela atual direção do Sindicato dos Metalúrgicos e pelos próprios metalúrgicos.

“Hoje o pessoal está mais preocupado com a sua solução pessoal. A desarticulação do Sindicato é grande. A não convocação pelo Sindicato para participar das deliberações. Um Sindicato que não negocia, faz negociata com o patrão. Os operários não estão mobilizados para luta nenhuma. Estão se conformando com aquilo que se apresenta para eles. Esta é a realidade. Aquela greve no passado foi uma duramente reivindicativa de direitos que não foram respeitados. Aqui jaz o sindicato. Acabou-se”.
 

Texto escrito em 1998 pela jornalista Cláudia Santiago.