[Por Marina Schneider e Sheila Jacob]

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Vito Giannotti, Miguel Borba, Samuel Pinheiro Guimarães, Gilberto Maringoni, Nildo Ouriques e Vânia Bambirra

Após a conferência de Gilberto Maringoni sobre os conglomerados de mídia em nosso continente, a mesa da manhã de sexta-feira, 23.11, do 18º Curso Anual do NPC reuniu um time de peso para discutir os atuais desafios da esquerda na América Latina. Participaram do debate o embaixador brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães, o professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Nildo Ouriques, a cientista política Vânia Bambirra e o professor e coordenador do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS), Miguel Borba de Sá.

Para Vânia, o mais importante desafio hoje na região é a evolução para o socialismo por parte dos governos progressistas que foram eleitos em países como Venezuela, Equador e Bolívia. Fazendo uma breve retrospectiva da revolução russa, ela afirmou que na então União Soviética criou-se um Estado operário sem classe operária. “Valeu a pena? Eu penso que sim porque o pior socialismo é melhor que o melhor capitalismo”, ressaltou. No caso latino-americano atual, a cientista política avaliou que nestes três países as forças progressistas chegaram ao governo, mas ainda não chegaram ao poder. Por isso, ela aponta que mesmo na Venezuela ainda não está ocorrendo uma transição. “Não podemos descartar, por exemplo, que ocorra na Venezuela uma guerra civil ou um enfrentamento porque a oposição está se unindo”, alertou.

Vânia Bambirra

Vânia Bambirra

Segundo a cientista política, precisamos de uma esquerda que consiga entender a atual crise do capitalismo porque essa é a maior crise do sistema da história. “Coexistem nesse momento duas crises: um de conjuntura e uma de estrutura. A de conjuntura tem motivação episódica, que surge com a crise dos créditos podres nos Estados Unidos. Essa crise se repete agora na Europa com manifestações dramáticas. Já a crise de estrutura é a mais complexa e está relacionada com a tendência decrescente da taxa de lucro, analisada por [Karl] Marx no Capital”, explicou.  Ela afirmou que a superexploração do trabalho tem o limite físico da exaustão, mas também possui um limite científico, já mostrado pelas teses da revolução científico-tecnológica. “A ciência se transforma na principal força produtiva impulsionando uma tendência à robotização. Essa é a contradição absoluta do capitalismo porque ele vive da mais valia, do trabalho roubado do trabalhador. A revolução tecnológica está no fundo da crise”, disse. Segundo ela, criam-se situações revolucionárias, mas ainda faltam as condições subjetivas para que revoluções aconteçam: organização e consciência. Vânia considera que o capitalismo não vai desmoronar porque tem grande força de recomposição e utiliza o Estado para dividir prejuízos. “As revoluções não estão ocorrendo porque a esquerda esta completamente despreparada e confusa e a classe operária sem nenhuma organização”, lamentou. Preocupada com as consequências da crise do capitalismo, Vânia pontuou que desemprego equivale a desespero. “Foi esse o caldo de motivo do fascismo e do nazismo. Eles foram subprodutos da crise de 1929. Nós vivemos em uma época muito perigosa”, alertou.

Governos de esquerda latino-americano contrariam interesses imperialistas

O embaixador Samuel Pinheiro Guimarães também falou da crise na Europa e ressaltou que as políticas ditas de combate à crise reduzem programas sociais e aumentam impostos, afetando diretamente as classes trabalhadoras. Segundo ele, o que já acontece principalmente na Europa é algo que juntamente com a questão da concorrência com a China pode afetar diretamente os governos e os movimentos de esquerda da América Latina. Samuel aponta que um dos argumentos para essas políticas de equilíbrio orçamentário, de redução de despesas e de aumento de impostos é o argumento da competitividade, de que seria necessário para retomar o crescimento nos países europeus o aumento da competitividade através do que se chama de redução dos custos do trabalho. “À medida que essa crise se propaga ela é utilizada como um instrumento da direita contra a esquerda”, apontou. “Quando se pensou que devido à falência das políticas neoliberais a direita havia sofrido uma derrota importante, ela se reorganiza e se mobiliza inclusive para impor um novo esquema político e até fortalecer a União Europeia”, destacou. Segundo ele, isso já atinge a América Latina.

Samuel Pinheiro Guimarães

Samuel Pinheiro Guimarães

Samuel define como de esquerda os governos de  Equador, Bolívia e Venezuela e acrescenta também, de certa forma, o governo da Argentina. “Eu gosto de medir se um governo é de esquerda a partir da oposição que é feita a esses governos nos meios de comunicação tradicionais. Se esses meios fazem uma campanha muito forte contra um governo é porque alguma coisa ele está fazendo que contraria os interesses tradicionais”. Ele lembra que estes não são governos que estão promovendo a propriedade coletiva dos meios de produção, mas contrariam os interesses do imperialismo, principalmente dos Estados Unidos. Ainda falando sobre a Argentina ele citou alguns pontos que fazem com que ele coloque o país quase no mesmo patamar de Equador, Bolívia e Venezuela. São eles: a renegociação da dívida externa que foi feita contrariando os interesses dos credores; o fim da paridade entre o Dólar e o Peso; o julgamento dos líderes da ditadura militar; e a Lei de Meios, que ataca os monopólios de mídia no país. Segundo Samuel, o principal dos governos de esquerda da América Latina é conseguirem se manter no poder já que existe uma campanha mundial difamatória de sua imagem. “Creio que ninguém pensa que há condições objetivas para fazer a revolução. Acredito que ninguém neste momento está pensando nesse caminho, mas é necessária a união dos partidos e movimentos de esquerda para tomar o poder e pelo menos gerar condições de tornar a vida dos trabalhadores e das classes oprimidas menos grave. Acho que esse é um grande desafio”, concluiu.

Descompasso entre Brasil e ‘Pátria Grande’

Nildo Ouriques

Nildo Ouriques

O professor de Economia e Relações Internacionais da UFSC, Nildo Ouriques apontou que falar da América Latina é falar de uma diversidade que não é captada pelos meios de comunicação. Ele apontou que há grandes transformações que ocorreram recentemente na América Latina e que dizem respeito à realidade brasileira e são ignoradas por nós. “Não estamos mais de costas para a América Latina”, afirmou, lembrando do Mercosul e que hoje o Brasil faz parte da Comunidade dos Estados Latinoamericanos e Caribenhos (CELAC). Mas, segundo ele, os brasileiros são os mais atrasados no conhecimento da realidade latino-americana e há ainda um grande descompasso entre o Brasil e a Pária Grande.”Uma classe operária que tem que se reconstituir para reconstituir uma vanguarda política tem que se mesclar com a América Latina e estudar diuturnamente a América Latina”, ressaltou.

Segundo ele são grandes as lições que estamos vivendo na esquerda latino-americana. A primeira que ele apontou  foi o nscimento de um nacionalismo revolucionário na região. Nildo apontou que falta nacionalismo no Brasil e que sem nacionalismo não é possível haver revolução. “Que história é essa de uma classe operária que não é nacionalista, que é indiferente ao nacionalismo e em alguns momentos ainda é anti-nacionalista? É uma classe operária abobada que não sabe dos desafios do seu tempo”, criticou. Segundo ele, é o nacionalismo que explica a vitalidade da Frente Sandinista de Libertação Nacional, na Nicarágua, e a emergência de Hugo Chávez na Venezuela, Rafael Correa no Equador e Evo Morales na Bolívia. “A paralisia dos governos Lula e Dilma em algumas áreas tem íntima relação com essa questão”, disse. Segundo ele, no Brasil as pessoas precisam “se desculpar” por serem nacionalistas porque uma minoria de acadêmicos cosmopolitas dominou as universidades e fez a cabeça das pessoas. “Vocês acham que conseguirão bons salários no capitalismo dependente? Nunca!”, disse para a plateia de mais de 200 comunicadores e sindicalistas. Para ele, na Venezuela, Equador e Bolívia estão sim acontecendo revoluções. “O presidente Chávez é odiado porque colocou um limite no liberalismo autoritário elitista e esclarecido da classe dominante latino-americana. Por isso ele tratado assim pela mídia, é visto com desconfiança”, ressaltou.

Nildo Ouriques critica com ênfase o pensamento eurocêntrico que orienta as produções acadêmicas, e chamou atenção para a importância de conhecermos nosso próprio continente. Segundo ele, há intelectuais que vão para a França estudar, por exemplo, o Estado Plurinacional do Equador. “Por que não vão ao Equador? Por causa da mentalidade colonialista”, disse. “A esquerda latino-americana precisa valorizar a cultura popular e valorizar o Estado-Nacional”, completou. Ele apontou o governo de Cristina Kirchner, na Argentina, como o mais avançado em matéria de direitos humanos e apontou como estratégico para toda a América Latina o dia 7 de dezembro, quando entra em vigor a Lei de Comunicação Audiovisual do país que combate fortemente os monopólios midiáticos. Ainda falando sobre os exemplos dados pelos países vizinhos, Nildo lembrou que no Brasil não foi feita a auditoria da dívida externa, realizada no Equador com o auxílio da brasileira Maria Lucia Fatorelli.

Ao falar sobre as principais transformações na América Latina, ele cita como algumas delas a intensificação do nacionalismo revolucionário e a retomada do discurso do socialismo. Hugo Chávez é um dos principais exemplos. Nildo avalia que a correlação de forças é favorável e permite uma ousadia ainda maior. “É uma correlação de forças que permite aos trabalhadores retomar a iniciativa política”. Ele ressaltou, porém, que isso acontece na América Latina, mas não no Brasil. Segundo ele, o período do que chamou de ‘bonança’ no Brasil está sendo feito com um brutal endividamento estatal. “Esse país funciona à base da superexploração da força de trabalho. Os que falam da nova classe média não querem pertencer a esta nova classe média”, criticou. Ainda assim, segundo o professor este é o momento propício para resgatar o pensamento crítico na América Latina e pensar com mais ousadia.

Questionamentos sobre papel do Brasil no protagonismo latino-americano

Miguel Borba de Sá

Miguel Borba de Sá

Miguel Borba de Sá, coordenador do PACS, apresentou alguns desafios recentes para se pensar a América Latina hoje. Ele recuperou duas linhas de pensamento sobre nosso continente: uma é a Teoria da Modernização, que de modo liberal, eurocêntrico e a reacionário definiu o atraso de nossos países e orientou a cópia dos modelos bem desenvolvidos na Europa. “Ou então houve a visão de que não precisávamos nos modernizar e continuar exportando matéria prima”. Por outro lado, veio a Teoria da Dependência: mesmo se os países latino-americanos se industrializarem e desenvolverem, isso não acabaria com a dependência; mudaria apenas a qualidade dessa subordinação. “Ou seja: continuaremos a ter uma industrialização dependente, pois o capitalismo latino-americano é periférico”. Portanto, a superação do subdesenvolvimento passaria pela ruptura com a dependência.

Nesse momento de protagonismo dos países latino-americanos, conforme apontado pela mesa, ele ressaltou a necessidade de se pensar que papel o Brasil exerce hoje. “Para pensar essa questão temos que levar em conta alguns fenômenos: a presença militar brasileira no Haiti; a transnacionalização das empresas brasileiras, com projetos de empresas como Vale e Odebrecht na África e América Latina; novos mecanismos de dominação sul-sul etc.”. E questionou: “Como encaramos isso tudo nesse contexto? Hoje as pessoas estão muito otimistas, como se fosse o momento de o Brasil brilhar com a Copa, Olimpíadas etc. Vamos apostar em diversas modalidades do capitalismo brasileiro, mesmo que seja neoliberal, reacionário, opressor? Vamos entender que é possível construir um Estado de Bem Estar Social aqui? Ora, isso não é possível, pois o desenvolvimento internacional do capitalismo é desigual e estamos na periferia”, observou, ressaltando a importância de se pensar que tipo de desenvolvimento queremos e quem irá se beneficiar dele.