Do Sindicato dos Bancários da Bahia
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Nesta entrevista, o escritor Vito Giannotti e dirigente do NPC (Núcleo Piratininga de Comunicação) fala sobre o papel da comunicação para as entidades sindicais no Brasil. Giannotti atuou intensamente no movimento sindical no início dos anos 1990. Juntamente com jornalistas e professores fundou o NPC, entidade que realiza cursos para dirigentes sindicais e jornalistas sobre comunicação sindical e popular.
SBBA – Qual é a sua definição para Jornalismo Sindical?
Vito Giannotti – O Jornalismo Sindical tem uma definição que vem de suas características próprias. A primeira é que ele deixa claros quais são seus objetivos. Ou seja, deixa claro que tem lado, que defende uma classe e dentro dela dá especial atenção a um setor, ou seja, cada jornal se dedica prioritariamente a uma categoria específica. Não tem nenhuma postura de falsa neutralidade, de eqüidistância. Mas é bom ter claro que isto exige muita seriedade, apresentar fatos, dados concretos e não fazer sermões, não contar lorotas ou inventar dados e fatos fantasiosos.
A segunda característica é que o jornal sindical não é vendido em bancas. Ou seja, ele chega, de graça, ao leitor que não está esperando aquelas notícias. O leitor não está louco para ler o jornal do sindicato. Quem está ansioso para que este jornal seja lido é a direção e os jornalistas do sindicato. Deste fato deriva como consequência imediata que o jornal sindical deve ser muito atrativo, bonito, chamativo. Deve chamar por sua pauta, por sua cara, por sua linguagem. Sem isso ele irá direto para lixo.
A terceira característica de um jornal sindical é que ele vai nas mãos de trabalhadores que, em sua imensa maioria, não leem jornal diariamente. A não ser nos sindicatos de profissionais liberais ou de funcionários públicos de alto escalão, o trabalhador, em geral lê muito pouco.
Num estaleiro, numa Nestlé ou numa CSN, o índice de leitura de jornais não chega à média nacional de uns 5%. Entre professores do ensino fundamental e médio, pela experiência do nosso Núcleo de formadores em comunicação sindical, em todos os Estados do país, não passa dos 13 ou 14%. Por isso podemos dizer que o jornalismo sindical é um jornalismo que declara seu lado e tem um público muito especial. Além disso, exige uma arte e uma técnica especial.
SBBA – Como você julga o poder de alcance da imprensa sindical?
VG – Enorme. O maior jornal da “grande imprensa” do Sergipe, hoje, outubro de 2009, não chega a 3000 exemplares. O jornal Tribuna Metalúrgica, dos Metalúrgicos de São Bernardo, durante mais de 15 anos teve uma tiragem diária de 120 mil. Hoje deve estar com 60 mil, devido à diminuição de trabalhadores na base.
No final da década de 1980, nos sindicatos de luta, havia seis jornais sindicais diários com uma tiragem semanal de 600 mil. Isto representa um poder de fogo tremendo. Há sindicatos que têm belíssimas revistas e produzem cartilhas e folhetos de todo tipo. Há até quem tenha um jornal mensal para as famílias dos trabalhadores, como o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos.
SBBA – Qual foi a melhor fase da imprensa sindical?
VG – Os anos 80/90, a fase do ascenso das lutas, quando o Brasil foi o campeão de greves no mundo: de 1978 a 1990. Depois a imprensa sindical refletiu o refluxo do movimento. Os jornais diários escassearam. Basta pensar no Sindiluta, dos Químicos de São Paulo, que era diário, chegou até a fazer a festa do numero 1000. Hoje, se não me engano, é quinzenal. E assim, deixaram de ser diários a Folha Bancária, dos Bancários de São Paulo, o Diário Bancário, dos bancários de Brasília, o BancáRIO, do Rio de Janeiro. Seguram-se ainda o dos Metalúrgicos de São Bernardo e o dos Bancários da Bahia.
Durante este período a imprensa sindical teve um papel de imprensa contra-hegemônica na luta contra o neoliberalismo, num momento em que quase desapareceu toda a imprensa sindical. Quem fez a campanha contra as privatizações na época de ouro do neoliberalismo de FHC? Como foi feita a batalha contra a Reforma da Previdência, sem ser pelos jornais sindicais? Não entro no mérito, aqui, se ganhamos ou não. Mas a imprensa sindical cumpriu o papel da imprensa partidária que não existiu. Qual jornal de esquerda cumpriu este papel?
Na década de 90, houve belas publicações alternativas valiosíssimas, mas com uma tiragem muito restrita, como é o caso da Reportagem, a Caros Amigos, ou o Jornal dos Sem Terra. Todas com uma tiragem pequeníssima, insignificante, num país com, na época 185 milhões de pessoas. E sua periodicidade não permitia fazer uma verdadeira disputa contra um inimigo que se comunicava todo dia, pelo rádio, pela televisão e por seus inúmeros jornais.
SBBA – Em que período surgiu e como se deu o desenvolvimento do Jornalismo Sindical no Brasil?
VG– O Jornalismo dos trabalhadores nasceu com o começo da industrialização, no final do século XIX. Os primeiros imigrantes tiveram a influência do anarquismo que era muito vivo, naquela época, na Itália e Espanha e Portugal. Estes, desde o nascimento das primeiras fábricas, sempre deram muita importância à formação político-ideológica. Por isso, num tempo em que o único instrumento de comunicação era o jornal, foram feitas centenas de jornais operários no nosso país. A historiadora e fanática da comunicação dos trabalhadores, Adelaide Gonçalves, da UFCE, nos fala de mais de 500 jornais operários entre 1875 e 1930. Esta foi a fase do jornalismo o
perário de cunho anarco-sindicalista.
Em seguida veio a imprensa hegemonizada pela nova tendência política nascida com a revolução Bolchevique: o comunismo. Os comunistas deram muita importância à comunicação, que ainda era o jornal. Deram mais importância à imprensa partidária, mas esta era muito usada nos bairros e fábricas das grandes cidades. Só para ter uma idéia, em 1946 o PCB possuía 8 jornais diários espalhados pelo país.
SBBA – E durante a Ditadura Militar?
VG – O jornalista e escritor Bernardo Kucinski diz que a imprensa alternativa dos anos da Ditadura foi a continuadora da imprensa operária e comunista. Finalmente, com o fim da Ditadura floresce uma nova imprensa sindical, nos sindicatos que tinham se libertados dos interventores e pelegos da tradição varguista.
De 1980 a 2002 vivemos a fase de ouro da imprensa sindical no Brasil, que alcançou uma tiragem recorde, em 1992, de 30 milhões por mês de publicações regulares. Nos sindicatos da CUT, que eram os únicos que investiam sistematicamente em comunicação, chegou-se a seis jornais sindicais diários.
SBBA – Quem são os destinatários do Jornalismo sindical?
VG– São trabalhadores que, em sua maioria, têm uma baixa escolaridade. Os dados do MEC são trágicos. Nosso país tem uma média de escolaridade de pouco mais de seis anos. Ou seja, a maioria dos destinatários da imprensa sindical tem 4, 5 ou 6 anos de escola. Dados do MEC, de 2002, diziam que no Brasil somente 19% da população tinha terminado o segundo grau. Ou seja, 81% não tinham chegado nem a este patamar.
Este fato determina grandemente toda a realidade da imprensa sindical. Deve determinar o tamanho dos artigos, o formato do jornal, suas características de apresentação e, sobretudo a sua linguagem. Ou seja, fazer jornal para quem quer ler, é uma coisa. Fazer jornal para os engenheiros do Rio de Janeiro é totalmente diferente de fazê-lo para os trabalhadores civis nas Forças Armadas. Fazer jornal para os professores da UFF é totalmente diferente de fazê-lo para quem não compra jornal nunca e é a clássica vítima da rede Globo ou das suas concorrentes, que são do mesmo naipe, embora inferiores em qualidade técnica e alcance. Uma coisa é fazer um jornal para um jovem conectado à Internet, durante 24 horas por dia. Outra é fazê-lo para um trabalhador que nunca ligou um computador.
SBBA – Quais as maiores mudanças que você observa que ocorreram no jornalismo sindical?
VG – Politicamente foi a transformação da década de 90. O triunfo do neoliberalismo e novas práticas sindicais. Do ponto de vista técnico foi a introdução da editoração eletrônica que permitiu fazer jornais muito mais bonitos e mais rapidamente.
Além da editoração eletrônica foi importantíssima a introdução da Internet. Mas isto não foi automático. A Internet permitiu que se fizessem boletins eletrônicos, como é o caso da CUT/RJ que foi a primeira entidade sindical a ter um boletim diário, o Rápido, que foi exemplo para vários outros e que durou até o fechamento daquele departamento de comunicação, em final de maio de 2007. Mas, ainda hoje, há outros sindicato que mantêm o computador na sala do tesoureiro, que fica com as chaves no bolso.
Mas, sempre houve grandes mudanças na comunicação dos trabalhadores. Há cem anos, quando começou a industrialização no Brasil, o único instrumento de comunicação, além da voz e do contato pessoal, era a imprensa. Daí o grande número de jornais operários que apareceram naquela época.
Depois de 1922, com a criação do Partido Comunista, nasceram muitos novos jornais e revistas a serviço da luta e da organização da classe, dentro da nova visão política dos comunistas. Durante os anos de 30 a 60, nos quais foram introduzidos o rádio e depois a televisão, a burguesia sempre cuidou de não permitir que a esquerda possuísse e usasse estes poderosíssimos instrumentos de comunicação de massa.
SBBA – Então, quais os principais desafios da comunicação sindical hoje?
VG – Até hoje, a imprensa é o grande instrumento de comunicação dos sindicatos. Mas, será que deve continuar sendo assim? No século XXI, há novas técnicas, novas tecnologias e novos veículos de comunicação que precisam ser conquistados pelos trabalhadores e seus sindicatos.
Nos últimos 25 anos, saímos de uma ditadura militar, fizemos milhares de greves, construímos centrais sindicais e partidos de esquerda. Organizamos fortes movimentos sociais, elegemos vereadores, deputados, senadores, governadores e até presidente da República. Mas não conseguimos construir uma comunicação alternativa capaz de atingir milhões de trabalhadores. Não criamos nosso sistema de mídia. Nosso, dos trabalhadores, da esquerda como um todo.
SBBA – Como tem agido a comunicação contra-hegemônica?
Uns se limitam a xingar a santíssima trindade da direita, o verdadeiro partido da burguesia representado pela Globo, Folha e Veja. Outros se limitaram a mendigar a simpatia e um espaçozinho desses senhores da mídia nacional, se iludindo que esses inimigos de classe poderiam ficar mansos se nós, também, nos mostrássemos mansos.
Assim, quando o tacape neoliberal se abateu sobre a cabeça dos trabalhadores, retirando empregos e direitos, nos pegou desprevenidos, e não conseguimos e
nfrentar a forte propaganda ideológica que foi feita. Vide o tratamento dispensado às estatais e aos servidores públicos transformados em responsáveis por todas as mazelas do País.
E não parou mais. Para além dos votos na eleição presidencial, a ideologia dominante mantém sua hegemonia que lhe permite vencer um plebiscito sobre o desarmamento, como um eventual sobre a pena de morte. A visão hegemônica continua associando pobre a bandido e assim se justifica qualquer chacina contra os moradores das periferias.