Para Rogério Almeida, a criação de redes é um caminho para fortalecer a mídia alternativa
Por Ívina Costa – NPC
Rogério Almeida tem 48 anos e uma longa história no movimento popular urbano, nas periferias de São Luiz-MA. Desde 1992 começou a criar um vínculo com o universo camponês, de onde não saiu mais. Jornalista e professor, Rogério Almeida vive atualmente em Marabá, cidade pólo da região de Carajás, a 600 km de Belém, no sudeste do Pará. A região é marcada, principalmente, por riquezas no solo, conflitos agrários e a presença de grandes mineradoras. Segundo ele, para fazer frente aos ataques à natureza e aos direitos dos povos, o ideal seria tentar fazer redes de comunicação, unindo o MST, movimentos de Direitos Humanos e outros grupos.
Em que ano você chegou em Marabá?
Cheguei para morar em 1999, mas já tinha ido pra lá desde 97, um ano após o Massacre de Eldorado dos Carajás (em que 19 trabalhadores Sem Terra foram assassinados). Fui como entrevistador de uma rede de organizações, chamada Fórum Carajás, com a missão de entrevistar pessoas envolvidas na rede, percorrendo os estados do Pará, Maranhão e Tocantins. Essa região é conhecida como Bico do Papagaio, por causa do desenho que forma no mapa, e é onde mais ocorreu conflitos de luta pela terra no país.
Que tipo de histórias você encontrou por lá?
São muitas histórias. Uma delas é a da família Canuto, de Rio Maria, interior da região. O latifúndio matou quase a família inteira. Matou dois irmãos e fez atentados contra outros. Desse mesmo sindicato, mataram o Expedito Ribeiro de Souza (PCdoB-PA), mataram o advogado de posseiros Paulo Fonteles, o deputado João Batista… O irmão dele (Pedro César Batista) escreveu um livro sobre o que aconteceu (João Batista, Mártir da Luta pela Reforma Agrária – Expressão Popular/2009) e agora luta para fazer um filme. Tudo isso aconteceu na década de 80, final da ditadura, num processo de reorganização da democracia.
O que marca mais essa região?
A principal marca dessa região de confluência entre o Maranhão e o Pará é uma luta grande pela terra e muita riqueza mineral. O garimpo de Serra Pelada fica ali pertinho. Então, é um território bastante disputado pelas grandes empresas. A Vale controla boa parte do território, que tem minério de ferro, ouro, cobre, níquel, etc.
O processo de mineração lá tem 30 anos e é tudo estratosférico! A mina Serra Norte está se esgotando e agora vão começar a explorar minério de ferro na mina Serra Sul, que tem o apelido de S11D. Esse minério todinho é exportado pelo maior trem do mundo, que tem 330 vagões. E isso durante o dia todo, ininterruptamente. De qualquer lugar da cidade onde você esteja, dá para ouvir o apito do trem.
A luta pela ocupação de terras no Pará é, sobretudo, uma luta em favor do meio ambiente, não é mesmo?
O primeiro momento sempre foi a luta pela terra e o pano de fundo é o projeto de desenvolvimento para a região, que é extremamente complexa. Ali tem o grande empreendedor, que é a Vale, várias populações indígenas (povo Caiapó, Xikrin, Assurini…), garimpeiros, Com Terra, Sem Terra e também os migrantes. A maioria vem do nordeste, principalmente do Maranhão, de onde foram expulsos pelo latifúndio e o monocultivo de soja.
O predomínio é da Vale, mas há outras empresas de mineração, como a Xstrata, a Votorantin, que explora o alumínio e a bauxita, em Rondon do Pará. Em Barcarena, tem a Imerys, que explora Caulim, e a cadeia do alumínio, que são a Alunorte e a Albrás. Uma transforma bauxita em alumina e a outra transforma alumina em alumínio. Isso requer um uso de água muito grande e produz uma quantidade enorme de rejeito. Assim como ocorre em Mariana-MG, lá tem várias bacias gigantescas de contenção de resíduos desse rejeito. Agora, estão com a cara de pau de fazer um debate sobre sustentabilidade na mineração. Ela não é sustentável em nenhuma possibilidade. Na economia, o pessoal chama isso de economia de enclave.
O que significa?
Em qualquer parte do mundo, ela não gera riqueza onde opera. Não gera externalidades positivas. É uma fábrica de passivo social e ambiental.
Lá não tem saneamento básico. Construíram Tucuruí há 30 anos para abastecer essas duas fábricas em Barcarena. De Tucuruí pra Barcarena dá uns 700 km e é super complexo. Há uma obra de engenharia gigantesca para alimentar essas duas fábricas, porque a energia é o principal insumo do alumínio. Então, Barcarena é uma cidade prestes a explodir a qualquer momento. Essa cadeia de ocupação do território e de saque das riquezas é extremamente danosa e envolve uma série de multinacionais.
E tem também a Bunge, empresa que trabalha com soja. Antes de ocorrer o acidente em que cinco mil bois morreram afogados, já havia ocorrido outro acidente com balsas de soja. Estavam levando o produto em 40 balsas, deu uma chuva muito forte, a soja se dispersou pelos rios e igarapés e matou uma quantidade enorme de peixes. A fonte de proteína dos pescadores e da população ribeirinha está ameaçada. E a população ribeirinha está totalmente vulnerável porque são praticamente expulsas de lá com a conivência do Estado.
O Estado não fiscaliza os processos de contenção das bacias de rejeito. A própria empresa faz o laudo, manda pra Secretaria de Meio Ambiente e a Secretaria endossa. Acompanho Barcarena há 20 anos. É história de trabalhador que ficou doido, trabalhador que se suicidou…
Como é ser um jornalista da mídia alternativa no Pará? Quais são as principais dificuldades que você enfrenta?
Com relação à produção de conteúdo, geralmente as instituições nunca têm um orçamento para bancar algumas viagens. Então, acabo otimizando. Hoje não estou ligado organicamente a nada. Eu era professor universitário de privadas e fui convidado a sair. Ainda bem! Estou feliz! Eu dava aula no curso de comunicação e também, como gosto muito e tenho domínio das temáticas da Amazônia, acabo falando mais sobre isso, relacionando com o meio ambiente.
Nos últimos dois anos, estava num projeto com um instituto federal e uma ONG, na região do baixo Amazonas, discutindo desenvolvimento e comunicação com 50 dirigentes. E vendo como eles poderiam se apropriar dos veículos ou potencializar o que eles já tem para dar maior visibilidade aos projetos deles. E agora vou participar de outro projeto, o Saberes da Terra, como educador, na zona rural.
Quem controla os grandes grupos de mídia no Pará?
A matriz nacional se repete lá. São duas famílias que controlam e isso está ligado à posse de terra também. Ou são políticos ou são ligados a algum partido. A família Jader Barbalho tem portal, rádio, jornal, televisão. A outra família é a Maiorana, que é super conservadora e repete a Rede Globo. Ela detinha também o principal jornal liberal do Pará. Mas, assim como acontece no resto do país, a venda cai cada vez mais e eles estão quebrados. Então, esses dois grupos só dão visibilidade ao que é do interesse público quando um quer apontar o que o outro fez de errado.
Então, a cobertura da luta pela posse da terra algo bastante complicado, né?
Infelizmente os canais lá são fracionados. Como o estado é muito grande, não tem assim um NPC que consiga aglutinar todo mundo. No baixo Amazonas, tem uma rádio ligada ao setor progressista da Igreja Católica; o Sindicato do Trabalhador Rural tem o jornalzinho dele e também ocupa a rádio com um programa semanal. E o pessoal utiliza muito o Facebook e o WhatsApp.
Em Santarém, por exemplo, a questão da comunicação popular é muito forte a partir dos camponeses. Em Marabá já foi mais forte, mas perdeu recurso e os quadros que faziam. As pessoas precisam se bancar, aí fazem concursos públicos e vão embora. Mesmo assim, lá tem o CEPASP (Centro de Educação, Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular), que continua fazendo alguns boletins, documentos, cartilhas.
Então, é cada um no seu quintalzinho. Mas, tem uma tradição de jornalismo de resistência muito grande no Pará com rádios comunitárias. Só que é muito fracionado. O ideal seria tentar fazer redes, ou seja, unir MST, Direitos Humanos e outros, definir uma política de comunicação e tentar bancar, no mínimo, dois profissionais. Porque não dá mais para trabalhar de forma voluntária. É um tema bastante complexo, demanda muito tempo para estudar.