Por Rogério Almeida
Santa Maria do Grão Pará, nome oficial de Belém, nasceu às margens do rio Amazonas, lá num distante 1616, quando imperava nestas terras o povo Tupinambá. Os (as) pesquisadores (as) dedicados (as) na investigação sobre o urbano sinalizam que é junto aos postos de troca de mercadoria que as cidades germinam. Lá pertinho o forte do Castelo aguarda os novos saqueadores. Ainda hoje os canhões estão apontados para a baía.
A cidade é quase uma ilha. Pena ter crescido de costas para o rio, subjugado pela corrida imobiliária, assim como Manaus, que rivaliza a hegemonia política e tragédias urbanas na Amazônia: a concentração de palafitas, problemas de trânsito e saneamento.
Os territórios do Veroca são múltiplos e os senhores (as) deles diversos conforme o horário do dia, da noite ou da madruga: o setor de venda de peixe, praça de alimentação, praça de birita, vendedoras de ervas, feira do açaí e o mercado de carne. Ao varar do sol estivas, vendedores de hortifrutigranjeiro, compradores, as barraqueiras do café controlam o pedaço. Ao meio dia os (as) comerciários (as) afrontam a cidadela, que ganha outros entes (encantados e reais) com a aproximação da noite, tais como “as meninas”. Os barcos atracados no porto balançam sobre as águas na baía do Guajará, onde os urubus disputam vísceras dos peixes, celebrados pelo casario colonial. Um secular relógio marca o tempo, anseia a passagem da imagem da Santa sempre a cada segundo domingo de outubro. Isso faz mais de duzentos anos. Já a cada sábado a romaria é fluvial, onde afluem os ribeirinhos.
Vendedores (as) de badulaques, policiais, profissionais liberais, poetas, funcionários públicos, “as meninas” os (as) malandros (as) oxigenam a vida do lugar, em demasia barulhento quando apita as seis da tarde.
Ferve o lugar, peixes ardem nas frigideiras encardidas, vendedores de churrasquinho, queijo, amendoim. “As meninas” sorriem serelepes, como se declarassem uma paixão antiga a quem acabaram de conhecer. Penso em Itararé, – o Barão-, Lima Barreto, João Antonio, no teatro de Plínio Marcos, nos vencidos de Dalton Trevisan, nos marginais de Genet. Aqui soa um mundo solidário na alegria e na dor.
Quantas amazonias ocultam a ignorância e preconceito da metrópole? O mundo das feiras, da terra firme, várzea, igarapés e o rio-mar (Araguaia, Tocantins, Xingu, Tapajós). Os filtros em que tentam tratar da região transitam pelo exótico: eldorado, inferno verde ou um imenso almoxarifado.
O barro desta terra gerou gente do quilate do escritor Dalcídio Jurandir, Benedito Nunes, um dos mais expressivos críticos de literatura do país, a romancista Eneide de Moraes, o poeta Max Nunes, homenageado na derradeira feira do livro, dedicada a Cuba.
O Veroca tem a cor, a dor, a alegria, o cheiro, o perfume e o fedor dos humildes. Ao redor do Veroca um universo paralelo frutua. Os inferninhos – ou seriam paraísos – encravados nas ruas estreitas se agitam. Meninos (as) cheiram cola, assaltam, repartem com os pares e policiais a renda.
Uma terra farta em imagem e signos os mais variados abriga um pólo de fotografia, que tem entre os animadores o coletivo FOTOATIVA. Belém é uma metrópole sonora, sedia um dos antigos conservatórios, o Carlos Gomes, mas também tem punk e hard-rock, instrumentais, orquestras e o arrastão do Pavulagem, que anima a quadra junina há 20 anos, e muito engarrafamento, que sempre atrasa a chegada até o Veroca, coração e sexo da cidade. Ainda que uma pequena parte da população torça o nariz.
[Rogério Almeida é colaborador da rede Fórum Carajás]