O professor João Cezar Castro Rocha é autor de 13 livros, entre eles, “Guerra Cultural e Retórica do Ódio: Crônicas de um Brasil pós-político”. A obra analisa criticamente a ascensão do discurso fascista no Brasil, personificado no Presidente Jair Bolsonaro, e como o terreno cultural foi uma plataforma importante para que essa ideologia conquistasse tantos corações e mentes. O Quintas Resistentes do dia 7 de abril recebeu o autor para entender como se dá essa guerra, como a esquerda perdeu espaço nessa trincheira e quais caminhos percorrer, através da própria cultura, a fim de derrotar essa onda ultraconservadora, cheia de ódio.

Pós-política

Ao definir o que é guerra cultural, João Cezar afirma que se trata da mais poderosa arma eleitoral do século XXI. Para o professor de literatura, não há como entender o avanço transnacional da extrema direita, se não levarmos em consideração que a ponta de lança deste setor é justamente a guerra cultural. “A extrema direita chegou ao poder no mundo não através de um golpe de força, não colocaram o exército na rua. A extrema direita está vencendo eleições. Pelo menos a primeira destas eleições é livre e democrática”, afirmou.

Para compreender melhor as características dos novos grupos reacionários, o conceito de pós-política tem um papel muito importante. Considerar que estes grupos de extrema direita são apolíticos, segundo João Cezar, é uma armadilha. “O paradoxo que a extrema direita aproveita é que ao mesmo tempo que a política é demonizada, é compreendida de maneira tradicional como um conjunto de mediações entre o poder e a cidadania. Partido político, associações de classe, sindicatos, presidência da república, tribunais, a extrema direita nega essa concepção tradicional. Ao mesmo tempo, a extrema direita torna a política a paixão do cotidiano”, explica João.

Além da paixão do cotidiano, a pós-política também envolve a monetização das ações de rua, convocadas pelos grupos bolsonaristas. Segundo o professor, o bolsonarismo é uma junção entre empreendedorismo neoliberal e política de extrema direita. “Há donas de casa que criaram canais no YouTube, apoiam Bolsonaro e hoje estão ricas. Todo Youtuber bolsonarista tem livraria. A extrema direita criou no Brasil uma nova profissão que é o MEI – Microempreendedor Ideológico, são todos esses que se associaram ao bolsonarismo e fizeram disso uma forma de vida”, afirma.

Recuperando o terreno

Em seu livro, João Cezar contextualiza que durante a formação militar de Jair Bolsonaro, a Lei de Segurança em vigor datava do ano de 1969. Um dos eixos desta lei trata da identificação de um inimigo interno. Ao olharmos para o projeto secreto do exército, chamado Orvil, concluído em 1988, fica claro quem é esse inimigo: o comunismo e o perigo vermelho.

Mediante isto, o professor fala como a esquerda pode defender suas ideias e a bandeira do comunismo, sem dar munição à retórica conspiracionista. “A minha experiência, quando eu tinha 14 ou 15 anos, foi ver intelectuais de esquerda voltando do exílio e aproveitando todas as oportunidades de falar, sobretudo em locais onde sua fala não é bem-vinda. Isso criou algo importante, nós não tínhamos perspectiva de poder, mas nós tínhamos irreverência, criatividade, linguagem, projeto e imensa paixão utópica”, declara.

De acordo com João Cezar, quando a esquerda chega ao poder em 2002, na figura do Partido dos Trabalhadores, o campo passa a se preocupar mais com as alianças que trariam a chamada “governabilidade”, do que representar os interesses das massas. “Não estou sugerindo de maneira adolescente que você chegue ao poder para fazer a revolução. Se você chega ao poder com uma aliança político-partidária você está chegando para fazer mudanças infra estruturais necessárias e possíveis. Agora, você não pode chegar ao poder e esquecer dessas mudanças porque você perde o contato com a base. E aí é perigoso”, afirma.